Entrevista com o neurocientista Dr. Alberto Costa, que desenvolve pesquisas sobre a síndrome de Down

Dr Alberto Costa Crédito da imagem: Youtube/Reprodução
Dr Alberto Costa
Crédito da imagem: Youtube/Reprodução

Em passagem pelo Brasil para participar do 4° Simpósio Internacional da Síndrome de Down, realizado em São Paulo nos dias 21 e 22 de março, o Dr. Alberto Costa, que reside nos EUA e atualmente trabalha na Universidade Case Western Reserve, conversou com o Movimento Down sobre a sua pesquisa atual, que foca no tratamento farmacológico para prevenir o surgimento precoce da doença de Alzheimer em pessoas com síndrome de Down. O trabalho, que se utiliza da substância memantina e busca avanços cognitivos em jovens e adultos com síndrome de Down, teve bons resultados e será ampliado, contando agora com uma equipe também no Brasil, além do grupo de pesquisadores americanos. Segundo o neurocientista, pai de Thyce, de 18 anos, que tem síndrome de Down, a melhoria da qualidade de vida de pessoas com a trissomia é o que move seu trabalho.

Como foi a sua trajetória profissional e o seu envolvimento com pesquisa relacionada à síndrome de Down?
Como médico, durante a graduação e pós-graduação, a minha ideia sempre foi me especializar em neurologia. Depois, quando eu terminei o doutorado em Biofísica no Instituto Carlos Chagas Filho (UFRJ), eu tinha resolvido seguir uma trajetória de cientista, tinha desistido da prática de medicina. Eu trabalhava com neurotransmissão e estava fazendo entrevista para trabalhar na Unicamp ou na USP de Ribeirão Preto. Era esse caminho que eu tinha pela frente. Foi nesse contexto que a minha filha Tyche, que agora tem 18 anos, nasceu com síndrome de Down. Aí obviamente tudo mudou.

Como exatamente o nascimento da sua filha mudou seus planos profissionais?
Há 18 anos, a ideia de trazer uma criança que nasceu com síndrome de Down de volta para o Brasil parecia retrógrada. Hoje em dia, acho que teria agido diferente porque, se voltássemos para o Brasil, teríamos suporte familiar e ela cresceria imersa na cultura de seus pais, o que teria sido mais fácil. Se tivéssemos ido para Campinas, por exemplo, poderíamos ter usufruído de um programa muito bom de síndrome de Down, ligado à universidade. A associação de pais de crianças com síndrome de Down também era e é bastante forte lá. Mas, na verdade, nenhum de nós tem uma máquina do tempo. Por outro lado, certos princípios que me levaram a essa mudança de carreira, que me fizeram trabalhar nos EUA como pesquisador, estavam corretos. Tinha um ambiente de pesquisa dominado pelo pessoal de genética e a neurobiologia da síndrome de Down era praticamente inexistente nos EUA. O que eu vi na época foi exatamente essa lacuna, achei que estava no lugar certo na hora certa.

Como iniciou sua pesquisa relacionada à síndrome de Down?
Entrei em contato com a Muriel Davisson, que era uma das diretoras do Jackson Laboratory, em Maine (EUA), provavelmente o maior laboratório de genética de mamíferos do mundo. Foi lá que foi criado o primeiro modelo de camundongo que tem características associadas à síndrome de Down, o Ts65Dn. Eu apresentei um projeto de pesquisa, que foi rapidamente aprovado. Foi assim que comecei meu trabalho em Maine, que durou cerca de cinco anos. Depois me mudei para o Colorado, onde primeiro fui trabalhar no instituto de pesquisa Eleanor Roosevelt Institute e depois na Universidade do Colorado.

Qual foi o motivo da sua mudança de Maine para o Colorado?
Fui de Maine para o Colorado porque me ofereceram a possibilidade de fazer pesquisa com seres humanos no Eleanor Roosevelt Institute. Em Maine, estava em uma ilha com cinco mil habitantes, e seria inviável achar participantes para o meu estudo. É importante ressaltar que o trabalho no Colorado não se restringiu somente ao estudo clínico, mas também envolveu um trabalho muito importante com a comunidade. Nesse tempo, virei membro da diretoria da clínica de síndrome de Down para adultos em Denver. Estava sempre interagindo com a associação de pais de crianças com síndrome de Down. Ia para eventos, interagia com as famílias. Isso foi fundamental. Quando se faz um estudo clínico de grande porte está se pedindo para as pessoas participarem de algo que pode potencialmente trazer efeitos colaterais muito sérios. Quando partimos para a parte de intervenção farmacológica, já existia essa confiança da comunidade.

Como foi o estudo com a memantina em pessoas com síndrome de Down?
No estudo, utilizamos memantina, por 16 semanas, em pessoas com síndrome de Dowm ainda bem jovens, com em média 23 anos, e que ainda não tinham desenvolvido Alzheimer. Na pesquisa, tivemos 39 pessoas expostas ao tratamento, 20 no grupo placebo, 19 no da memantina. Os resultados finais foram publicados no Transversal Phsyquiatric em 2012. Nossa hipótese era de que a memantina melhoria a memória das pessoas com síndrome de Down independente do Alzheimer já que era isso que a pesquisa anterior nos camundongos, que tinham apresentado melhora de aprendizagem e memória, havia sugerido.

Como analisa os resultados alcançados pelo estudo?
Em pesquisa clínica, precisamos declarar quais medidas serão usadas como primárias e quais serão as secundárias. Escolhemos as medidas primárias de acordo com o poder de análise que ofereciam e também levando em consideração o tamanho amostral mínimo. O resultado mais positivo ocorreu com uma das medidas secundárias, a Californian Verbal Learning Test, que é basicamente uma memorização de lista de palavras. Foi aí que detectamos uma melhora significativa da memória de pessoas com síndrome de Down. Nesse sentido, o estudo não pode ser considerado tão bem-sucedido por uma tecnicidade, já que não obtivemos ganhos significativos com as medidas primárias. No nosso próximo estudo, que será bem mais abrangente, usaremos a medida secundária que se saiu bem como primária e, ao que tudo indica, teremos resultados ainda mais significativos.

Qual é o próximo passo na sua linha de pesquisa com relação a memória e cognição em pessoas com síndrome Down?
A vantagem de ter feito a pesquisa já publicada é que ela nos deu esperança de que alguma coisa possa realmente ter efeito com relação à memória e cognição em pessoas com síndrome de Down. Um outro fator importante é que eu era cientista antes de ser pai. O meu impulso original como pai era tentar fazer um estudo muito grande, que testasse a coisa mais fundamental que a memantina pode fazer: melhorar a qualidade de vida das pessoas com síndrome de Down com relação ao comportamento adaptativo tanto no sistema educacional quanto no ambiente profissional. Mas esse é um estudo muito difícil de ser feito e muito extenso porque precisaríamos usar a memantina por cerca de 20 anos para checarmos a melhora real em capacidades cognitivas e independência em atividades diárias. Não seria realista conseguir financiamento para um estudo desse alcance. Então o Alberto Costa profissional é mais sensato e acredita que o passo lógico é fazer um estudo maior do que o feito anteriormente, mas dentro das possibilidades reais de financiamento, colocando desta vez o Californian Verbal Learning Test como medida principal.

Como será organizada a equipe para o novo estudo?
Para esse novo estudo, que é basicamente uma versão mais abrangente do que já foi feito, conseguimos o apoio do instituto Alana, do estado de Ohio e de algumas fundações locais. Parte da pesquisa será feita nos EUA e parte no Brasil, onde utilizaremos a equipe do Dr. Zan Mustacchi, que coordena uma das maiores clínicas do mundo focada no atendimento a pacientes com síndrome de Down. Nos EUA, contaremos com o Edward Goldson, que vai supervisionar a feitura do novo estudo no Brasil. O neuropsicólogo Richard Boada, que foi o primeiro autor do artigo publicado e que por coincidência fala português fluentemente, vai supervisionar a neuropsicologia no Brasil, visitando com frequência o país para que o trabalho corra da forma mais homogênea possível. Eu estou terminando de montar o laboratório nos EUA e minha função será de diretor do centro de pesquisa translacional em síndrome de Down, na universidade Case Western Reserve, que tem como instituição associada o hospital universitário Rainbow Babies and Children’s Hospital. Contamos também com a participação da Nancy Roizen, que é uma das médicas mais respeitada no mundo em síndrome de Down. A outra instituição que vai nos apoiar é a Cleveland Clinic, que vai nos prover com certos equipamentos, aos quais não teríamos acesso, como um scanner de ressonância magnética específico, que consegue fazer o escanemanento do cérebro de pessoas com síndrome de Down em um tempo muito menor e com muito menos problemas com movimento do que ocorre em um scanner tradicional. Estamos bastante animados com o início desse trabalho e tudo indica que alcançaremos resultados satisfatórios.

O Dia Internacional da Síndrome de Down desse ano tem como tema a saúde e o bem-estar. Quais são os principais desafios na área de saúde para pessoas com síndrome de Down?
Nos últimos dez anos, o cuidado da criança com síndrome de Down melhorou muito, especialmente nos EUA. Os pediatras têm muito mais conhecimento da síndrome e de suas características. Mas a parte relacionada à saúde de adultos ainda está muito atrasada. Eu dava aula para alunos de quarto ano de medicina, falava com residentes, e percebia que o médico de adulto não tem conhecimento sobre a síndrome de Down. Como melhoramos o atendimento no começo na vida, vemos cada vez mais indivíduos com síndrome de Down ficando idosas e o tratamento de pessoas nessa faixa etária basicamente não existe. Eu acho que o maior desafio na área de saúde agora é então o cuidado com o adulto e o idoso com síndrome de Down.

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