Voando com deficiência – com assistência e preparo, a experiência pode ser boa

Patricia e Amanda dentro do aviao.

Viajar na véspera de Natal é sempre um risco e uma aventura. Se o vôo é intercontinental, com conexões, e seu avião vai passar por um país que acaba de sofrer um atentado, as suas chances de algo dar errado aumentam. E se está acompanhado de uma criança com deficiência que ainda por cima está doente, pode começar a se preparar para o pior.

Mas não é que o que se prenunciou como um pesadelo, graças a um pouco de preparo e gente legal pelo caminho não foi um desastre total?

Minha filha, Amanda, tem 12 anos e nasceu com síndrome de Down. Ela tem algo que se chama transtorno do processamento sensorial. Isso quer dizer que ela é muito sensível a alguns barulhos (microfone, tosse, cachorro latindo), e situações de estresse, como muita gente junta e fila de espera. Ou seja, tudo o que iríamos enfrentar pelo caminho. Como se não bastasse, ela pegou um resfriado e uma conjuntivite e começou a tomar antibiótico na véspera da viagem.

O vôo era de Genebra para o Rio, via Frankfurt. Como o tempo de conexão em Frankfurt era curto, solicitamos assistência para a Amanda. Os aeroportos internacionais são grandes e, embora ande bem, Amanda caminha mais devagar e às vezes pode cismar de empacar no meio do caminho por algo que a incomoda e não há pirulito que resolva a situação. Isso já fez com que perdessemos um vôo no passado. Desde então, passei a pedir a assistência, disponível gratuitamente para qualquer pessoa com deficiência que precisa de ajuda.

Assim que chegamos no aeroporto – lotado – o primeiro revés: eu tinha esquecido o antibiótico dela na geladeira… bem, ao chegar ao Brasil no dia de Natal, teria que dar um jeito de correr atrás disso.

A fila do check-in estava enorme. Enquanto esperávamos, dei pra Amanda uma dessas etiquetas de identificação de mala pra segurar. Ela ficou concentrada segurando a etiqueta pelo elástico e balançando. Isso a ajuda a se organizar e manter o controle quando há muita confusão em volta.
Foi ótimo ter pedido a assistência. A fila para o controle de segurança estava longa como eu jamais tinha visto! Ficamos sentados na área de espera até que nos levaram diretamente até o portão de embarque pelo porta onde entram as tripulações. Amanda foi numa cadeira de rodas, bem feliz.
Mas chegando no portão, tivemos a notícia de que o vôo estava atrasado e correríamos o risco de perder a conexão. O tablet com bateria cheia ajudou em mais essa espera. Quando finalmente embarcamos, a tensão dominava o vôo. Ajuda ter fones de ouvido desses grandes, que amenizem os barulhos, especialmente o do microfone do avião, que a assusta e incomoda profundamente quando entra de repente e costuma a ter o som alto e distorcido (por que será que isso acontece ainda nos dias de hoje, com tanta tecnologia?). Um remedinho de nariz para ajudar na decolagem e descida também a protegeu do zumbido no ouvido.
Ao desembarcarmos a confirmação: havíamos perdido o vôo. Além da apreensão, a preocupação – será que vamos conseguir vaga logo em outro avião? Será que vamos conseguir chegar a tempo para a ceia de Natal?
A assistência mais uma vez foi imprescindível. Cortamos caminho e chegamos no guichê para remarcar a passagem em pouco tempo – Amanda confortavelmente instalada na cadeira de rodas, conduzida pela simpática atendente Suzanne, da Lufthansa. Pegamos a fila expressa e conseguimos remarcar o vôo para o dia seguinte, via Londres. Amigos que estavam no mesmo vôo e não tiveram prioridade na fila como nós só conseguiram embarcar na noite do dia 24, e passaram o Natal nas nuvens.
A companhia disponibilizou um hotel até a manhã do dia seguinte e jantar. Já passava da meia- noite, fazia um frio do cão, ventava e chovia lá fora. Resolvemos não esperar o transporte do hotel e pegamos um taxi para evitar transtornos e a piora do resfriado da Amanda, que até agora tinha se comportado muito bem. Foram 15 euros muito bem empregados, pois chegamos ao hotel 10 minutos antes do fechamento do restaurante. Comemos e dormimos de roupa e tudo.
Como era tarde quando chegamos a Frankfurt, não conseguimos fazer o check-in do vôo de Londres para o Brasil na véspera. Chegamos cedo ao aeroporto e, novamente esperamos na assistência, muito bem equipada, com lugar pra crianças brincarem – no aeroporto de Frankfurt também se presta assistência para famílias com crianças e crianças desacompanhadas. Amanda recebeu um livrinho de colorir e lápis de cera. Seguimos de carrinho elétrico para o portão de embarque e entramos no avião antes de todos. O tempo estava horrível e teve muita turbulência, o que a Amanda adora, porque o avião chacoalha, dando um frio na barriga. Ela ria alto, enquanto o resto dos passageiros rezavam apreensivos. Ela também adora pousos e decolagens.
Chegamos em Londres com pouco tempo pra conexão. Mais tensão. Será que conseguiríamos embarcar? Como o check-in ainda não tinha sido feito e estava em cima da hora, apesar de termos prioridade nas filas, a marcação não estava dando certo. Liga daqui, fala com o supervisor dali, todos os atendentes super solícitos e dispostos a não deixar aquela criança passar o Natal no aeroporto. O supervisor, Nagine,da British Airways, finalmente conseguiu convencer a tripulação a segurar o avião e nos esperar trocar de terminal e foi pessoalmente nos conduzindo até o portão, passando por uma segurança ferrenha. Tira roupa, passa tudo pelo raio x, revista todo mundo – nessa hora a prótese que tenho na perna sempre apita. Pega o trem entre terminais, corre empurrando a cadeira e quando chegamos no embarque todo mundo só nos esperando. Agradecemos do fundo do coração a todos, especialmente a Nagine. Sem ele, não teríamos conseguido. Com isso, fomos os últimos passageiros a nos instalarmos para um vôo diurno de 12 horas.
Amanda até aqui estava achando toda aquela correria ótima, mas um vôo longo e ainda por cima de dia, depois de toda aquela confusão era um grande desafio. A sorte foi que pegamos assentos no fundo, e ao lado do banheiro. Com um misto de remédio no olho, filminho na tela da cadeira, fone de ouvido, tablet, sono, e folhear da revista de bordo – outra coisa que a acalma e organiza – passamos candidamente aquelas horas intermináveis e desembarcamos sem percalços. As nossas malas foram as primeiras a chegar, porque também recebem uma etiqueta de prioridade, e saímos do aeroporto a tempo de chegar em casa para ceia de Natal.
Faço esse relato porque geralmente as pessoas só contam as más experiências em viagens. Só tenho a agradecer às equipes dos aeroportos, da Lufthansa e da British Airways, por terem feito seu trabalho com competência e dedicação. Sem essas pessoas não teríamos conseguido chegar para o Natal com a família e a Amanda, nós e as pessoas em volta poderiam ter passado por maus bocados. Sei que muita gente não teve a mesma sorte, por isso vale a pena destacar o profissionalismo e atenção do pessoal da assistência e a necessidade deste serviço, fundamental para amenizar as dificuldades de quem enfrenta limitações com que precisa conviver através das adaptações razoáveis previstas na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Foi imprescindível também estar preparada com objetos e estratégias que fizeram com que a Amanda tivesse tranquilidade durante uma viagem que poderia ter sido desastrosa. Ela chegou ao Rio e, com o calor ficou rapidamente boa do resfriado e no dia seguinte já foi pra praia, começando a aproveitar as merecidas férias.
Patricia Almeida é jornalista e co-fundadora do Movimento Down.