No dia 10 de março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez uma decisão histórica e puniu uma propaganda de marca alimentícia destinada a crianças. “Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios”, comentou o ministro Herman Benjamin. “Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais.” Para Isabella Henrique, diretora de Advocacy do Alana, essa decisão significa o reconhecimento da criança como prioridade absoluta, inclusive nas relações de consumo. Pensando nisso e considerando as muitas dúvidas que pais e mães têm em relação à alimentação dos filhos, especialmente durante a infância, o Movimento Down conversou com a médica Ana Claudia Brandão sobre a importância da alimentação saudável para quem tem síndrome de Down. Confira:
Sobretudo uma dieta que chamamos de saudável! Variada, que contemple todos os grupos alimentares, rica em nutrientes, vitaminas, fibras. Bem colorida! Alimentos naturais, evitando ao máximo os doces e os industrializados.
Toda criança deve ser incentivada a desenvolver um hábito alimentar saudável, e isto só se consegue através de uma boa educação alimentar, iniciada assim que se faz a introdução da alimentação complementar do bebê. No caso particular das pessoas com síndrome de Down, que têm um metabolismo basal menor, maior tendência à constipação devido à hipotonia muscular, maior prevalência de doenças da tireoide (principalmente o hipotireoidismo) e determinadas vias metabólicas que aumentam a produção de radicais livres (substâncias oxidantes nocivas às nossa células), incentivar uma boa alimentação consegue minimizar as consequências de questões como sobrepeso e obesidade, constipação intestinal e talvez fazer até uma profilaxia de doenças degenerativas da vida adulta.
A decisão do STJ reconheceu a criança como prioridade absoluta nas questões relacionadas ao consumo e que qualquer propaganda deve ser dirigida aos adultos (pais e cuidadores), pois são eles que têm o poder de decisão para adquirir qualquer produto ou alimento em suas casas. É uma decisão histórica, pois é a primeira vez que o tema da abusividade da publicidade direcionada às crianças foi julgada por um tribunal superior e a nossa legislação foi respeitada.
Certamente! Geralmente, as propagandas na televisão e outras mídias, assim como as embalagens de alguns produtos e até os “brinquedinhos” oferecidos por determinadas cadeias de lanchonetes são extremamente sedutores para as crianças. Cabe aos pais e familiares controlarem esse acesso e propiciarem as possibilidades de boas escolhas em relação à alimentação de seus filhos. Assim, criarão um bom hábito alimentar que carregarão ao longo da vida.
A maioria das pesquisas fazem uma ligação direta entre uma alimentação baseada em produtos ultraprocessados e prontos para o consumo com a maior probabilidade de doenças e riscos à saúde. Portanto, considerando a realidade em que vivemos e com a obesidade cada vez mais prevalente, essa nova forma de classificação dos alimentos a partir de seu grau de processamento ao invés da segmentação por nutrientes é muito bem vinda! Acredito que essa nova edição do Guia Alimentar para a População Brasileira trouxe avanços significativos na discussão de uma alimentação verdadeiramente saudável.
– Dieta bem variada, com todos os grupos alimentares;
– Preferência por alimentos naturais (sempre serve a máxima “melhor descascar do que desembrulhar”);
– Alimentos ricos em fibras, vitaminas e antioxidantes;
– Pouco sal e óleo;
– Muita hidratação, de preferência tomando água.
Desde sempre, assim como para todas as crianças! Os primeiros 2 ou 3 anos de vida são fundamentais para a aquisição de um hábito alimentar saudável. É nesta época que educamos nosso paladar. Se oferecemos, por exemplo, alimentos açucarados, o organismo “aprende” a tomar gosto pelos doces e certamente isso terá repercussão na saúde da vida toda. Por isso é importante não oferecer determinados alimentos nesse início, durante essa fase de conhecimento dos novos alimentos. O sal, por exemplo, deve ser restrito e o açúcar evitado.
Nada é totalmente proibido, mas, se consumidos, devem ser de forma muito esporádica. Exemplos: doces em geral, bebidas açucaradas (refrigerantes e sucos de caixinha), salgadinhos de pacote, frituras e alimentos com muito sal.
A obesidade não deveria ser combatida e, sim, prevenida! Mas claro que, uma vez instalada, ela deve ser tratada com a orientação do médico, do nutricionista e do educador físico. Muitas vezes precisamos também da ajuda de psicólogos. O foco maior deve ser na prevenção através de uma boa educação alimentar e o incentivo às práticas de atividades físicas e esportivas. Precisamos observar o hábito alimentar da família e orientá-los, afinal, não adianta querer uma alimentação balanceada para a criança, se isso não é o dia a dia daquela família. A criança precisa de bons exemplos na escolha de seus alimentos.
Essa educação alimentar é importante também na escola, com orientações e discussões com as crianças e também a forma como a comida é servida nas merendas e cantinas. Outra questão é fazer da prática de atividade física e/ou esportiva parte do cotidiano das crianças: oportunizar a participação nessas atividades na escola, no clube do bairro, na escolinha de esporte. As crianças com SD não precisam de programas de atividade física exclusivos para elas, devem ser incluídas nos recursos que a comunidade de seu bairro oferece.
Hoje em dia, vivemos uma epidemia de obesidade, tanto infantil, como dos adultos. O Brasil é um país que, a cada ano que passa, tem uma maior incidência da obesidade, com previsão de ser um dos países com maior quantidade de obesos do mundo. Então é urgente que ações efetivas sejam organizadas em termos de políticas públicas e programas de educação alimentar para a população. Portanto, na nossa realidade atual, a chance de uma criança se tornar obesa é grande. E se considerarmos as peculiaridades da criança com SD que falamos anteriormente (menor metabolismo basal, menos atividade física, erros alimentares, familiares com dificuldade em dar limites, etc), certamente teremos um risco ainda maior de ter a obesidade e todas as comorbidades que podem vir junto: dislipidemias (alterações do colesterol e triglicérides), diabetes, hipertensão arterial, dores articulares, etc.