A Vida com Logan

O desenhista Flavio Soares e o seu filho Logan, que tem oito anos e síndrome de Down, aparecem sentados em um sofá. Flavio segura o filho no colo enquanto os dois sorriem para algo que está ao lado e fora da imagem.

 

Pai de Logan e Max, Flavio Soares começou a desenhar no momento em que conseguiu segurar um lápis na mão. Apaixonado pela arte, Flavio viu que poderia usar o desenho para contar a sua história e a de seu filho mais velho, Logan, que tem síndrome de Down. Como qualquer outra criança de 11 anos, Logan gosta de correr, desenhar, passar tempo com o pai, brincar com o gato e o cachorro, aprontar muitas confusões com o irmão mais novo e descobrir o mundo que o rodeia. Pensando nisso, Flavio criou o site A Vida com Logan, onde conta um pouco sobre a vida com o filho e os desafios e as alegrias de se cuidar de uma criança, tenha ela deficiência ou não. Para acompanhar os dois nessa aventura, as tirinhas em quadrinhos também contam com a participação do caçula Max, de Camila, mulher de Flavio, do cachorro Barney e do gato Mignola. Nessa entrevista concedida ao Movimento Down, Flavio conversa sobre quadrinhos, síndrome de Down e como é a vida com Logan.

Movimento Down: Quando, como e por que você começou a fazer quadrinhos?

Flavio Soares: Acho que desde que eu consegui segurar um lápis nas mãos (risos). Eu sempre tive vocação pro desenho e na adolescência fiz alguns cursos. Nessa época participei de alguns fanzines e projetos independentes. Meu grande problema era ser um estudante relapso. Eu gostava de fazer e não de estudar o “como fazer”. Por conta disso, minha curva de aprendizado foi muito lenta. Num determinado ponto eu precisei escolher entre fazer quadrinhos e pagar as contas e acabei abandonando a ideia de trabalhar produzindo quadrinhos por uns 15 anos. Depois do nascimento do Logan, eu criei um blog para contar nosso dia a dia e em 2009 comecei, meio que de brincadeira, a publicar a tira “A Vida com Logan” e isso acabou me levando de volta aos quadrinhos e me deu a oportunidade de fazer outros trabalhos. Foi um caminho longo e com muitas curvas e desvios (risos).

Movimento Down: Por que contar o seu dia a dia com o seu filho Logan?

Flavio Soares: No começo, quando eram apenas textos, a ideia era mostrar que o dia a dia com um filho com síndrome de Down não é muito diferente do dia a dia com um filho “regular”. Eu tive esta vontade, porque quando Logan nasceu, tudo que eu encontrei em minhas primeiras buscas por informação na internet foram textos médicos absurdamente técnicos – que não me interessavam uma vez que eu tinha consciência de que em algum momento algum médico iria me passar toda esta parte – e relatos muito, muito sofridos de dificuldades e privações. Eu me lembro de que nos primeiros meses, a melhor parte do meu dia era quando eu chegava em casa depois do trabalho e podia ficar do lado do berço do Logan vendo-o feliz da vida. Isso não condizia com o que eu havia lido. A partir disso, achei que seria legal contar sobre a nossa rotina sem dar a síndrome de Down uma importância e “peso” maiores do que ela realmente tem. Foi a forma que eu encontrei pra dizer a outros pais que por ventura chegassem até o blog que tudo iria ficar bem, porque era isso que eu gostaria de ter encontrado quando Logan nasceu. Isso teria me deixado muito mais preparado.

Movimento Down: O que ele acha do seu trabalho e de poder compartilhar a sua história com tantos leitores?

Flavio Soares: Ele ainda não tem uma consciência completa do que significa o “A Vida com Logan”. Ele se reconhece, sabe quem são os personagens (irmão, madrasta, cachorro, gato, pai…) e sabe que está em um livro e em um site; mas ele ainda não dimensiona o que isso realmente significa.

Movimento Down: Você já conhecia a síndrome de Down ou pessoas com essa deficiência antes do Logan?

Flavio Soares: Não. Eu não fazia a menor ideia do significava ter um filho com síndrome de Down e sabia menos ainda sobre a síndrome em si e o que ela afetaria realmente.

Movimento Down: Você também usa o seu trabalho para compartilhar informações sobre a síndrome?

Flavio Soares: Antigamente, eu fazia um trabalho de atualizações mais frequentes, publicando a tira uma vez por semana e publicando textos em pelo menos mais dois dias, assim o blog tinha em média três atualizações semanais com foco na síndrome de Down e em assuntos de interesse das pessoas com deficiência. Com o tempo, a necessidade de “pagar as contas” foi tomando conta de tudo e as atualizações praticamente sumiram. Hoje eu publico a tira semanalmente e nela falo de assuntos relacionados à síndrome de Down, mas não faço disso o “lado mais importante” da tira porque não é. Assim como na vida real, Logan é uma pessoa com síndrome de Down e não uma síndrome de Down acompanhada de uma pessoa. No meu trabalho, ao falar da síndrome, procuro mostrar que ela está ali como parte da nossa rotina e não como fator que define nossa vida.

As vezes também sou chamado para palestrar sobre como abordo a síndrome de Down em meu trabalho e como é a verdadeira Vida com Logan. É uma oportunidade maravilhosa para falar com estudantes de medicina e pais de primeira viagem.

Movimento Down: Como vem sendo a repercussão do seu trabalho?

Flavio Soares: Muito boa, para ser bem honesto. Nos últimos seis anos, a tira foi indicada cinco vezes para o Prêmio HQMix – principal premiação dos quadrinhos brasileiros – e, no ano passado, o livro “A Vida com Logan – Para Ler no Sofá” (Jupati Books) recebeu o Pêmio HQ Mix na categoria melhor publicação de tira.

Isso é muito legal porque mostra que o trabalho vêm atingindo um público que, em princípio, não tem nenhuma ligação com a síndrome. Os leitores de quadrinhos em geral têm recebido a tira de forma bastante positiva e ajudam muito a divulgar o trabalho.

Movimento Down: Ainda existem poucos quadrinistas que trabalham com personagens com deficiência. Por que você acha que isso ocorre?

Flavio Soares: Eu acredito que o motivo principal desta ausência de personagens com diefiência nos quadrinhos se deve ao desconhecimento dos autores. Pra mim, hoje, é fácil escrever sobre síndrome de Down com naturalidade: ela faz parte da minha vida há 11 anos. É uma linha muito tênue que divide o retratar a deficiência de forma realista e “errar a mão” criando um drama exagerado e fora da realidade. Se você não tem uma experiência real com este tipo de situação, o risco de errar é bem grande. Poucos estão dispostos a correr o risco, entende?

Movimento Down: Você acredita que quadrinhos como “A Vida com Logan” e os personagens do Maurício de Souza (Tati, Luca e Dorinha) podem ajudar na inclusão de pessoas com deficiência?

Flavio Soares: Quadrinhos são uma ferramenta perfeita para tratar de qualquer assunto. É uma mídia subvalorizada porque boa parte das pessoas que “pensam” campanhas de esclarecimento não enxergam (ou não querem enxergar) o verdadeiro potencial dos quadrinhos como ferramenta de inclusão e esclarecimento. Claro que isso precisa ser feito da maneira certa para não cairmos na armadilha de “errar a mão” que falamos antes.

Meu primeiro livro, “A Vida com Logan” (Panda Books), foi escrito como um livro infantil em quadrinhos para ser usado para despertar o debate entre professor e alunos sobre inclusão em sala de aula. O livro foi escrito buscando duas metas: em primeiro lugar, mostrar para as crianças que ter um colega com síndrome de Down na sala não é nada de mais; em segundo lugar, mostrar para os professores que não são necessários grandes “malabarismos” para inserir no contexto sala de aula um aluno com síndrome de Down.

Tudo isso é passado de forma tranquila através dos quadrinhos. É uma forma de “ensinar” de modo lúdico. Se estivessemos em um país com um pouco mais de visão, estaríamos usando os quadrinhos para falar de inclusão de forma muito mais eficiente.

Movimento Down: Você participou da Comic Con Experience (CCXP) em 2015, maior evento de quadrinhos no Brasil. Como foi a experiência?

Flavio Soares: Foi uma experiência maravilhosa. É um público diferente. Uma coisa é você conversar com seu público no lançamento do seu livro, porque que as pessoas que estão lá, supostamente, estão porque conhecem seu trabalho. Na CCXP, não. É gente nova que você conhece na hora, que curte quadrinhos, que leva seu material pra casa e depois manda mensagem no Facebook dizendo o que achou. É um contato maravilhoso. Pena que só acontece uma vez por ano. Precisamos de mais eventos como a CCXP no Brasil.

Movimento Down: Como é a vida com Logan?

Flavio Soares: Corrida! (risos) É uma rotina corrida já que Logan é filho do meu primeiro casamento e mora com a mãe. Então eu acabo tendo que me desdobrar entre trabalho (por sorte, trabalho em casa), tarefas do dia a dia e levá-lo para o atendimento no IMREA-SP e outras terapias (o que implica em deslocamentos longos pelo trânsito caótico de São Paulo).

Mas é uma vida maravilhosa e eu não a trocaria por nada.

Tirinha em quadrinhos feita por Flavio Soares. Nela, Flavio retrata a sua vida com o seu filho Logan, que tem síndrome de Down.

 

Foto: arquivo pessoal

HQ: Flavio Soares