Novo tratamento para síndrome de Down ainda é futuro distante, dizem médicos

Dr Zan Mustachi
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Apesar de receber com entusiasmo a pesquisa que conseguiu “desativar” a região do cromossomo extra da síndrome de Down, a comunidade médica ainda é cautelosa e destaca que o estudo foi feito apenas com células in vitro em laboratório. Não se sabe se a técnica poderá ser aplicada em humanos ou quanto tempo isto demoraria.

Para o geneticista especializado na síndrome, Zan Mustacchi, a pesquisa está no caminho certo, mas ainda está longe de ser um tratamento. Perguntado em quanto tempo um novo tratamento seria viável, o médico respondeu: “Eu tenho 65 anos e espero ver isso”.

No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a cada 600 a 800 nascimentos, uma criança tem síndrome de Down, independentemente de etnia, gênero ou classe social.

A descoberta fornece a primeira evidência de que a condição genética, um cromossomo 21 extra, além dos dois que todos carregam, pode ser suprimido em células em cultura in vitro. Os humanos possuem 23 pares de cromossomos, sendo um deles o responsável pelo sexo.

Caminho para tratamento

Mustacchi explica que Jérôme Lejeune, que descobriu que a síndrome era causada pela trissomia do cromossomo 21 em 1959, já indicava que a inibição do cromossomo X em mulheres era um caminho para o tratamento da falha genética. Na pesquisa desenvolvida pela Universidade de Massachussetts, nos EUA, os pesquisadores usaram um gene presente no cromossomo X para inibir a área ativa do cromossomo 21 que causa os sintomas da síndrome de Down.

“A mulher tem dois cromossomos X, um veio do pai e outro da mãe. Mas para não expressar duas vezes os mesmos genes, ora um deles é inibido, ora outro. A gente não sabe como e nem qual será silenciado. Não sabe como o corpo escolhe qual ligar e desligar. Os dois estão ativados e desativados, dependendo do lugar. Enquanto um [cromossomo X] está ativado no cérebro, o outro está no fígado”, diz.

Assim, o geneticista destaca que não há conhecimento científico suficiente para saber qual dos cromossomos 21 desativar. “Em 80% dos casos, quem tem síndrome de Down recebeu dois cromossomos da mãe e um do pai. Mas os dois cromossomos da mãe vieram da mãe e do pai dela. Aí na hora de desativar um, qual seria?”, indaga. Mustacchi alerta que esta é uma questão não respondida pelo estudo.

O médico também explica que só uma área específica do cromossomo é que causa a síndrome, a chamada área crítica. No cromossomo 21, o menor de todos, essa área fica na parte inferior da perna mais longa. Então, é preciso saber qual cromossomo, qual área dele e em que parte do corpo desligar.

“Estamos em passos corretos, no domínio molecular da genética do Down. Isso é muito bonito, mas não pode ser traduzido como os leigos estão traduzindo como se agora fosse possível desligar o cromossomo da síndrome em pessoas”, ressalta.

Terapia genética

Para que este tratamento pudesse ser aplicado em todas as células de uma pessoa seria preciso entender como desativar apenas a região correta e do corpo todo ou de quais partes desligar, o que os cientistas ainda não sabem. “Precisamos saber como o corpo entende essa informação “nova” na informação genética. O sistema de regulação é múltiplo e ainda não o dominamos. Apenas no começo do século 21 que viemos com a ideia de silenciar genes como solução”.

Os exames que detectam a síndrome hoje em dia são feitos na 11ª semana de gestação, quando o feto já tem cerca de 4 centímetros, e o corpo todo formado. Portanto, para Mustacchi, este estudo abre perspectivas para mais campos de pesquisa nos mecanismos reguladores de genes que inibem áreas cromossômicas previamente marcadas.

Carol Boys, executiva-chefe da Down’s Syndrome Association – uma ONG britânica que divulga informações sobre a síndrome e fornece apoio às pessoas com síndrome de Down –, acredita que as descobertas podem ter implicações significativas para futuras pesquisas, mas que ainda estamos longe de entender como essa pesquisa pode se traduzir em aplicações clínicas, segundo a BBC.

Para Lucy Raymond, do departamento de medicina genética da Universidade de Cambridge (Grã-Bretanha), o estudo americano ocasionou importantes descobertas, mas ainda é cedo para falar em desdobramentos concretos. “É um avanço animador, mas esse processo ainda está em um estágio (celular) preliminar e não estamos perto de ver o procedimento ser usado para tratar a síndrome de Down”, disse à BBC.

Já ao Guardian, Jeanne Lawrence, que liderou a equipe da pesquisa, disse que a terapia cromossômica, se for possível, será realizada a longo prazo, em pelo menos 10 anos. “Não quero que as pessoas criem esperança com isso”, disse. Sua equipe começou a estudar a técnica em embriões de ratos gerados in vitro. “Isto poderia recuperar ratos, mas não é muito viável para humanos”, acrescenta.

Fonte: UOL