Especialistas debatem desafios da inclusão plena durante Fórum Internacional em Campinas

Reconhecer a individualidade de uma pessoa com síndrome de Down é compreender que cada um tem vontades e necessidades que vão muito além de qualquer ocorrência genética. No 3º Fórum Internacional Síndrome de Down, realizado na última semana em Campinas (SP),especialistas nacionais e internacionais, além de pessoas com síndrome de Down e seus familiares, debateram os desafios da inclusão no século XXI.

O tema escolhido para a edição 2012 do fórum, “quem eu seria se pudesse ser”, expressou uma provocação presente em praticamente todas as mesas. Um exemplo foi a apresentação da psicanalista argentina Elsa Coriat, escalada para falar sobre atenção ao bebê e à família. Ela esteve entre os especialistas que alertaram contra o uso de um “manual de instruções” para cuidar de uma pessoa com síndrome de Down em detrimento de seus desejos e potencialidades.

“O grande problema é que os pais pensam que os filhos são diferentes. O diagnóstico afeta a maneira como enxergam o neném. Em vez de perguntar o que o bebê quer, procuram um livro para lidar com aquela patologia, assim como os profissionais que fazem o atendimento”, afirmou.

Presente na mesma mesa, o também psicanalista Jerusalinsky foi enfático ao defender que a genética não deve ser determinante para as expectativas sobre o futuro de qualquer pessoa. “A ciência existe não para decidir o que seremos, mas para se colocar a serviço do que podemos ser”.

Inclusão não depende apenas de políticas públicas

O reconhecimento da individualidade de cada um também é fundamental para a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva. Quem afirma é Martinha Santos, diretora de Políticas de Educação Especial do MEC. “A escola regular, para ser inclusiva, deve quebrar o paradigma de estigmatizar, criar expectativas sobre o estudante. Cada um tem o mesmo ponto de partida, mas não tem o mesmo ponto de chegada”, declarou a dirigente, que se emocionou ao lembrar o papel dos pais e familiares de pessoas com síndrome de Down no processo de implementação da educação inclusiva no Brasil.

Além disso, para muitos dos participantes do fórum, o avanço de políticas públicas inclusivas nem sempre é acompanhado pela criação de meios para que as pessoas com deficiência possam ser efetivamente inseridas em espaços como a universidade ou o mercado de trabalho. “O mérito é socialmente construído. Se nós não garantirmos condições para que as pessoas cheguem à educação superior, elas não vão chegar lá”, garantiu Elisabete Renders, doutora em Educação e autora de uma pesquisa sobre acessibilidade para pessoas com deficiência no ensino superior.

Rejeição e superproteção: duas faces de um mesmo problema

Se a discussão sobre o ensino regular começa a dar os primeiros passos em direção à educação superior, escola e sociedade ainda estão engatinhando quando o assunto é a sexualidade. Para o pedagogo espanhol Josep Ruf, ainda existe uma visão hipócrita que trata o tema como um tabu. “As pessoas com síndrome de Down não são sempre crianças, têm as mesmas necessidades afetivas e sexuais do restante da população”, disse o especialista, que apontou as consequências da falta de orientação sobre o assunto. “Como não recebem uma educação sexual de qualidade, muitas pessoas com síndrome de Down acabam ignorando aspectos básicos da sexualidade, desenvolvem comportamentos inadequados e distúrbios psicológicos”, explicou.

Diretor de Serviços Pedagógicos da Fundación Catalana Síndrome de Down, da Espanha, Marius Peralta acredita que nesse e em outros temas há um longo caminho pela frente por parte de organizações e pessoas com deficiência intelectual na luta por seus direitos. “Ainda existe uma limitação em relação ao trabalho, à educação, até mesmo a levar uma vida independente. Tanto a rejeição quanto a superproteção podem levar à anulação de uma pessoa enquanto cidadão ou cidadã”, assinalou.

Por Simone Evangelista