O Processamento Sensorial nas crianças com síndrome de Down – Parte 1

Menina pequena com brinquedo na boca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Maryanne Bruni – Terapeuta ocupacional – West Toronto Keys to Inclusion, Canada

Tradução para o português: Deisy Aguiar

SUMÁRIO

  1. Apresentação
  2. O que e o processamento sensorial?
  3. O desenvolvimento do sistema nervoso na síndrome de Down
  4. Processamento sensorial

 

  1. Apresentação

A aprendizagem se consegue diante da capacidade de processar e organizar simultaneamente os estímulos que entram por mais de um sentido. Esta capacidade para organizar os estímulos a partir de diversos sentidos e aplicá-los à vida diária se denomina processamento sensorial ou integração sensorial. Inclui a capacidade para captar a informação, a capacidade para descartar a informação (como por ex., o ruído ambiental), e a capacidade de dar sentido a essa informação.

O processamento sensorial estuda, pois, o modo em que toda a informação sensorial se integra a partir dos diversos sistemas sensoriais e como ele afeta o desenvolvimento e o comportamento. No resultado final se encontram as habilidades motoras. Parte do fundamento das habilidades de autoajuda está na consciência do próprio corpo, que se desenvolve através dos sistemas sensoriais. Muitas outras habilidades e aspectos do desenvolvimento da criança se vêm afetadas pelo processamento sensorial.

Esse processo se baseia na teoria da “integração sensorial”, que explora as possíveis relações entre os processos neurais que compõem o receber, registrar, modular, organizar e integrar as influências sensoriais e as seguintes condutas adaptativas. Alguns terapeutas ocupacionais e pesquisadores usam o termo processamento sensorial para descrever o processo completo, sendo a integração um de seus componentes. O transtorno do processamento sensorial é o termo que agora se usa para descrever as dificuldades em qualquer um dos níveis do processamento sensorial.

Algumas pessoas com síndrome de Down mostram diferenças no modo de processar a informação que recebem. Por isso nos deteremos de maneira especial a essa população e vamos expor estratégias para facilitar o desenvolvimento de acordo com suas necessidade sensoriais.

 

  1. O que é o processamento sensorial?

Processamento sensorial é o que nos permite estar em um estado de alerta tranquilo, com a finalidade de responder de maneira produtiva aos demais e ao ambiente. Por ex.:

  • Processamento sensorial é manter uma postura equilibrada ao estar sentado na mesa da sala de aula, escrevendo as palavras soletradas pelo professor, sem prestar atenção aos demais ruídos que haja no ambiente.
  • Processamento sensorial é desviar-se de alguém na sala, evitando-o ou manter a atenção na conversa com um amigo.
  • Processamento sensorial é brincar com os amigos no recreio e depois ser capaz de parar e se colocar em fila quando soa a campainha.

Processamento sensorial é a atividade cerebral retida que nos permite escolher sobre o que queremos colocar nossa atenção, nos permite mover-se de forma eficiente e responder de forma adaptada ao nosso ambiente. Estamos em sincronia com o que acontece ao nosso redor.

Podemos utilizar uma analogia entre o processamento sensorial e o aquecimento de nossa casa. A casa possui um termostato que regula a temperatura. Se a temperatura baixa por baixo do valor fixado, se inicia o aquecimento. O termostato é como o limite do sistema nervoso. A um determinado nível, os nervos sensitivos enviarão impulsos com maior frequência e intensidade para alertar o cérebro da informação sensorial. Por baixo do limite, o sistema nervoso registra a informação, mas não descarga com a frequência e intensidade requeridas para alertar os centros cerebrais superiores sobre a informação. O sistema nervoso modula o limite elevando ou baixando a receptividades aos diferentes tipos de influencias sensoriais. Muitos equipamentos de aquecimento dispõem de um filtro que separa a sujeira e as partículas de pó para que não interfiram na eficiência do sistema. Do mesmo modo, as zonas mais inferiores do tronco encefálico atuam como filtro, detectando a informação pouco importante para que os centros superiores sejam mais eficientes.

E assim como o equipamento de aquecimento regula a temperatura de forma continua para todos os andares da casa, a informação sensorial flui continuamente para todos os níveis do cérebro, graças às conexões entre seus níveis e suas partes.

A analogia é, sem dúvida, demasiado simples. O modo como o cérebro registra, modula, interpreta e organiza a informação sensorial é muito complexo e também muito individual. Todos possuímos alguma diferença nos limites referentes à informação sensorial que variará de acordo com a situação e o nosso estado interno (se estamos cansados, ou temos fome, etc.). O som é uma experiência sensorial que claramente ilustra o conceito dos limites variáveis. Quando me sinto “simplesmente bem”, os sons muito agudos (por ex. o choro de uma criança) ou os sons monótonos (como uma gota) não me incomodam. Mas se eu tive um dia muito longo, cheio e estressante e necessito concentrar-me para terminar minhas tarefas antes de descansar, o choro de uma criança ou a gota de uma torneira podem enlouquecer-me. Meu limite para o som foi diminuindo, pelo que estou recebendo mais informações sobre esses sons do que necessito, e meu sistema nervoso não está descartando eficientemente como faz normalmente.

Ter um “limite baixo” significa que não é necessária muita estimulação sensorial para que o sistema nervoso dispare e passe a informação aos níveis conscientes do cérebro. Ter um “limite alto” significa que se necessita muita informação sensorial para que os nervos disparem e passem a informação ao nível da consciência.

Perfil: Danny

Com seis anos, Danny faz aulas de natação ao mesmo tempo em que outros grupos têm aula na mesma piscina. Quando o professor explica a atividade seguinte, Danny tem que descartar as vozes dos outros professores e demais ruídos da piscina e concentrar-se em escutar para compreender as instruções. Ele olha a sua professora trabalhando com a boia em forma de estrela do mar. Quando vai usar a boia, seu sentido vestibular lhe dá a informação feed-back sobre a posição de sua cabeça na água e seu sistema proprioceptivo lhe dá consciência da posição do resto do corpo. O sistema tátil envia informação sobre o que ele sente ao notar que a água mantém seu corpo e seu rosto. O cérebro de Danny está interagindo:

  • O que escutou nas instruções (sensação auditiva)
  • O que viu na demonstração da instrutora (sensação visual)
  • O que sente no seu corpo (sensações proprioceptivas, vestibulares e táteis).

Isso é processamento sensorial. Uma vez que Danny aprendeu a boiar, a habilidade se vai se convertendo gradativamente, até ficar automática. O processamento sensorial seguirá atuando, mas ele não terá que concentrar sua atenção na experiência sensorial. Ele será capaz de, a partir de sua habilidade de boiar, aprender uma nova instrução de natação.

 

  1. O desenvolvimento do sistema nervoso na síndrome de Down

Conforme uma criança cresce, seu cérebro também cresce e se modifica. O processo de mielinização tem uma grande importância no desenvolvimento do cérebro. A mielina é uma membrana que se forma ao redor dos nervos no sistema nervoso central e facilita a transmissão rápida e eficiente da informação. O comum é que o processo de mielinização se complete até os dois anos. Este processo apresenta atraso nas crianças com síndrome de Down.

Conforme uma criança cresce e se desenvolve, se estabelecem redes nervosas de fácil acesso, como base e fundamento de novas aprendizagens. Também continua o crescimento de novos nervos como resultado das experiências sensoriais que vão acontecendo, sua integração no cérebro e a conexão da informação por novos caminhos. O crescimento dos novos nervos aumenta a capacidade do cérebro para aprender e pensar. As crianças demonstram os novos conhecimentos em todos os aspectos do desenvolvimento: o movimento, a fala e linguagem, a cognição, o comportamento social e emocional. Nossa bagagem genética, própria e individual, guia nossas respostas ao mundo que nos rodeia e é através de nossas respostas de como interatuamos com os demais, que aprendemos e desenvolvemos ideias.

Este desenvolvimento do sistema nervoso pode aparecer mais lentamente nas crianças com síndrome de Down. A repetição é vital na aprendizagem de qualquer pessoa, mas geralmente se necessita uma repetição mais frequente e durante um tempo mais longo para crianças com síndrome de Down.

O comportamento se vê influenciado por uma série de fatores. É importante considerar que fatores podem disparar e reforçar o comportamento da criança. Aqui há algumas perguntas que podemos nos fazer.

  • Existe algum problema médico que possa ser responsável por esse comportamento? Por ex., um problema de pele que incomode ou provoque reação ao tato, dor de ouvido por uma infecção que cause uma reação excessiva ao som.
  • Apresenta dificuldade em algum dos sentidos relacionados ao comportamento? Por ex., uma audição flutuante é a origem de que a atenção e a resposta a instruções sejam inconstantes?
  • O comportamento a considerar se encontra no intervalo típico para a idade do desenvolvimento da criança? Por ex., uma criança de três anos, com uma idade de desenvolvimento de oito meses que põe tudo em sua boca, está mostrando um comportamento que é típico para sua idade de desenvolvimento.
  • A criança está utilizando esse comportamento para se comunicar? Por ex., talvez deseje ter uma oportunidade para colocar-se em primeiro na fila para sair ao recreio, mas como é mais lento para colocar o agasalho, quase sempre fica no final da fila. A mensagem que passa ao escapar e recusar-se a colocar o agasalho é que quer sair.
  • O comportamento é uma resposta aprendida (como uma técnica de evasão)? Por ex., joga o lápis repetidas vezes no chão para não realizar a tarefa de escrever.
  • O comportamento é uma reação ao estresse ao qual a criança não é capaz de responder de uma maneira mais adequada?
  • O comportamento está atendendo a uma necessidade sensorial da criança? Por ex., se você ensinou a criança a não chupar os dedos, agora ela está chupando sua camiseta?

Como se pode perceber por essa lista, existem muitas possíveis explicações diante do comportamento conflitivo. Geralmente dá trabalho e é necessário ajuda de profissionais para identificar e acertar o diagnóstico e conseguir soluções que funcionem.

 

3.1. Considerações médicas

Existem várias possíveis razões no âmbito médico que podem explicar alguns dos comportamentos. Por ex., a letargia e a pouca energia podem ocorrer por uma disfunção da tireoide ou apneia do sono e não ao processamento sensorial. A incidência de apneia do sono pode chegar a 45% nos indivíduos com síndrome de Down. Em alguns casos, a letargia e a baixa energia estão relacionadas a um estado de depressão.

O ranger de dentes (bruxismo) é outro comportamento que pode advir de ambas as condições, processamento sensorial ou problemas médicos. Por ex., a dor do seio maxilar, a perda de dentes, a instabilidade da mandíbula e a infecção de ouvidos podem ser a origem do bruxismo. Igualmente, a fístula traqueoesofágica pode produzir incômodos ao engolir alimentos, que poderiam ser mal interpretadas como hipersensibilidade às texturas do alimento.

Todas as crianças, adolescentes e adultos com síndrome de Down devem passar por revisão médica periódica seguindo os respectivos programas de saúde.

Tabela 1.

Alteração ou transtorno sensorial

Impacto sobre a criança

Audição
1. Perdas flutuantes da audição por acumulação de líquido no ouvido médio (devido à inflamação ou infecção): perda auditiva de condução 1. Na presença de líquido, os sons chegam apagados ou distorcidos, dificultando a interpretação de tudo o que se diz.As respostas a perguntas verbais e a capacidade para seguir as instruções são inconstantes.Às vezes não mostram atenção em direção aos ruídos e às vezes são hipersensíveis a eles.
2. Perda permanente de audição 2. A criança pode necessitar aparelhos de audição. Algum som pode estar distorcido e a percepção do som está alterada.
3. Estudos têm mostrando que a fala que se escuta é processada mais frequentemente no hemisfério direito do cérebro, diferentemente do habitual que é no esquerdo. 3. Pode resultar mais difícil escutar e responder verbalmente (função do hemisfério esquerdo), porque as áreas de entrada e resposta estão em hemisférios cerebrais diferentes.
Visão  
1. Problemas de visão de perto ou de longe 1. Corrigem-se com lentes (óculos), portanto não devem impactar a capacidade de visão.Pode afetar na criança o nível de precaução para provar coisas novas.
2. Nistagmo (movimentos rápidos e contínuos dos olhos de um lado a outro) 2. Pode causar visão borrada e dificuldade para focar.Dificuldade no acompanhamento  visual.As crianças podem superar este problema.
3. Dificuldade na percepção de profundidade 3. Podem mostrar dificuldade para usar escadas e superfícies irregulares ou para pular, por exemplo, pular em uma piscina.
Propriocepção (cinestesia)Consciência da posição e do movimento que vêm dos nervos que saem de articulações, músculos e tendões.
1. Estudos mostram que a hipotonia muscular ocasiona alterações na influência proprioceptiva, devido ao maior grau de alongamento dos músculos e tendões. 1. É mais difícil usar a quantidade exata de força muscular e os ajustes necessários para que os movimentos sejam precisos e constantes.Maior necessidade de olhar as mãos ao fazer atividades e de olhar os pés nas escadas.
Tato  
1. Os testes de condução nervosa têm mostrando que a percepção tátil se transmite mais lentamente na síndrome de Down. 1. Reação mais lenta à informação tátil. Podem ter dificuldade para fazer ajustes finos nas mãos, para acomodá-las a objetos diferentes.
2. Atraso e frequentemente diminuição na reação à dor e dificuldade para mostrar onde está a dor. 2. Atraso na reação quando tem uma lesão.
3. Vestibular:Sentido localizado no ouvido interno que, responde à posição da cabeça, nos informa sobre a rapidez e direção do movimento, e contribui ao desenvolvimento das habilidades de equilíbrio, está firmemente conectado com o sistema visual.
1. Alguns estudos sugerem que os reflexos vestibulares estão diminuídos nas pessoas com síndrome de Down. Pode haver atraso no equilíbrio (mais do esperado pela sua idade de desenvolvimento) nos adolescentes com síndrome de Down. Pode dever-se a um conjunto de fatores, incluindo o baixo tom muscular.

 

3.3 Atrasos no desenvolvimento

Como já foi mencionado, o sistema nervoso na síndrome de Down amadurece mais lentamente. Isso não é um problema de processamento sensorial: é um atraso no desenvolvimento. É importante recordar que o déficit primário na síndrome de Down é o transtorno genético, este provoca atraso no desenvolvimento que afeta o desenvolvimento cognitivo, motor, linguístico e social. Pode existir um componente de processamento sensorial, mas o processamento sensorial não é a causa que está na raiz dos atrasos e problemas da criança.

Durante o processo de amadurecimento, uma criança pode desenvolver padrões de conduta aprendidos que persistem ao longo de muito tempo. Às vezes esses padrões aprendidos estão associados inicialmente a experiências sensoriais ou a outros fatores, como a ansiedade diante do estranho. Em resposta à experiência ou situação sensorial, a criança estabelece um padrão de conduta. Por ex., um bebê pode não gostar de ser colocado deitado em uma mesa para ser trocado. Ele pode mostrar-se temeroso e muito alterado. Isso pode ocorrer em função da dificuldade para processar a informação vestibular e visual sobre onde se encontra o espaço ou porque não gosta de sentir o frio da fralda na pele. Esse comportamento pode continuar conforme vai crescendo, em situações parecidas como jogar-se da maca na consulta do médico. Pode ser que ele não vivencie a mesma experiência sensorial quando for maior, mas aprendeu a associar a sensação de estar reclinado em uma mesa alta com uma resposta de medo e terror. Quer dizer, alguns comportamentos podem originalmente ter sua base em um atraso ou déficit no processamento sensorial, mas persistem como respostas aprendidas de comportamento.

Com uma deficiência no desenvolvimento como a síndrome de Down, o sistema nervoso tem menor flexibilidade para adaptar-se a mudanças de situações e novas exigências. Esperar que a criança seja capaz de adaptar-se frequentemente a mudanças de situações e novas exigências provocará muito estresse. Fisiologicamente, o estresse crônico muda a situação química do sistema nervoso, fazendo-o, portanto, menos capaz ainda para responder e adaptar-se. Quando estamos sob estresse, todos somos menos capazes de aprender e reter o que foi aprendido e o mesmo sucede com crianças com síndrome de Down.

É importante também que recordemos que enfrentar exigências normais de um dia exige mais energia para essas crianças. Como é obvio quanto mais energia se exige, mais rapidamente a criança se sentirá cansada.

Como mãe sei muito bem quanto desejamos que nossos filhos estejam integrados nas turmas da escola e nas atividades da comunidade, como estão seus irmãos e companheiros de escola. Mas também é importante que eles recebam serviços especializados, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, adaptados a diversas etapas de sua vida. Além disso, pode haver outros programas especializados os quais pensamos que podem ser importantes para que “alcancem todo seu potencial”. Tudo isso significa uma agenda bem cheia para nossos filhos com atividades programadas ao longo da semana e tudo isso exige energia e concentração.

Como pais e educadores temos que ter consciência que a tentativa constante de “acompanhar”, cooperar e cumprir com as expectativas em todas essas atividades ao longo dos anos da infância e adolescência pode levar a uma acumulação de estresse. Contudo, não queremos certamente privá-los dessa oportunidade. Dei-me conta de que isso é um autêntico dilema. Quando minha filha Sarah era criança e depois uma adolescente de 15 anos tentei prestar atenção às suas respostas para calibrar até onde ela podia dar conta de tudo. Suas respostas comportamentais e emocionais eram o que eu podia seguir, já que ela não era capaz de articular com clareza seus sentimentos sobre as coisas.

Já adulta, podia escolher mais sobre seus ambientes, suas atividades e as pessoas com que queria passar o tempo. Tinha também mais tempo livre, uma parte importante do seu dia. Seu nível de estresse foi diminuindo, e quase não tem mais “ataques” e está plenamente incorporada nas atividades da vida que ela gosta. Às vezes , quando percebe que seu calendário está muito cheio, ela expressa claramente “é demais”. E conversamos então sobre opções que reduzam as exigências que ela percebe.

 

Estresse e comportamento

O estresse dispara respostas no nosso sistema nervoso autônomo (vegetativo). Pense no momento em que você tem de falar ou atuar diante de um grupo de pessoas estranhas. Pode sentir borboletas no estômago, o pulso e a respiração acelerados, a respiração mais superficial, também suas mãos podem começar a suar. Pode aparentar calma e tranquilidade para os demais, mas por dentro sente algum ou todos esses sintomas.

O estresse físico ou emocional pode desencadear uma reposta de “terror, luta ou fuga” no sistema nervoso autônomo, com alguns sinais físicos:

Dilatação da pupila (não por problemas oculares ou mudanças de luz);

  • Respiração superficial e rápida;
  • Taquicardia, aumento da pressão arterial;
  • Tensão muscular;

Se o estresse se prolonga durante longos períodos de tempo pode ocasionar mais problemas crônicos de comportamento ou de saúde, incluídos os incômodos corporais (ex., dor abdominal) e transtornos mentais. O estresse e a ansiedade podem reduzir a receptividade química do cérebro implicada na memória.

  1. O processamento sensorial

O processamento sensorial abrange todos os sentidos: visão, audição, paladar, olfato, tato, propriocepção (percepção) ou consciência da posição e movimento oferecido por todos os nervos, músculos e tendões, e sistema vestibular que informa sobre a posição da cabeça e do corpo no espaço mediante a inervação do ouvido interno e é importante para manter o equilíbrio.

4.1. O processamento sensorial nas crianças com síndrome de Down

Quando minha filha Sarah era criança, mostrou relativamente poucos problemas de processamento sensorial. Tinha problemas com as transições ou mudanças entre as tarefas e algumas de suas professoras a consideravam “teimosa” e passou por fases em que beliscava a pele de seu polegar com a unha. Assim que entrou em sua fase adolescente desenvolveu maior sensibilidade (hiper-respostas) a alguns estímulos sensoriais e assim seguiu até sua idade adulta. A visão de certas coisas lhe faz sentir náuseas como ver alguém com a cara pintada ou excesso de maquiagem. Alcança rapidamente o limite de ruído em ambientes em que muita gente fala ao mesmo tempo. Às vezes não tolera que outros a toquem ou tentem guiá-la fisicamente. Sua capacidade para modular suas respostas diante dessas situações que lhe resultam incômodas depende de muitos fatores. Às vezes chega a superar sua reação sensorial, mas outras vezes sucumbe. Durante os últimos dez anos tem melhorado no reconhecimento de situações potencialmente estressantes para seus sentidos evitando-as ou incorporando-as em suas próprias estratégias em uma tentativa de controlar suas respostas.

A seguinte tabela descreve exemplos de comportamento típicos em muitas crianças com Síndrome de Down, em contraste com comportamentos que são mais indicadores de dificuldade de processamento sensorial.

 

Tabela 2. Comportamentos típicos vs. possíveis dificuldades de processamento sensorial

Conduta típica em muitas crianças com síndrome de Down

 

Conduta que pode indicar dificuldade de processamento sensorial

Mostra preferencia de roupa e deseja tomar suas próprias decisões ao vestir-se. É extraordinariamente minucioso no vestir-se, levando somente tipos específicos de roupa, joga a roupa, etc. Parece irritar-se muito com diferentes matérias e etiquetas.
Aborda com precaução as novas atividades de coordenação motora grossa, se agarra às atividades familiares; não quer correr riscos motores. Se sente alterado ou extremamente com medo com os movimentos; resiste a muitas atividades em jogos no campo.
Não gosta da rotina de higiene (ex. pentear cabelo, limpar as unhas, etc.). Resiste constantemente às rotinas de higiene; pode sentir-se muito incomodado, jogar-se ou sair correndo.
Não parece ser consciente do perigo; não se dá conta de avisos de perigo em seu entorno (ex. não nota a beira da calçada ou tropeça). Busca situações perigosas (ex. subindo sempre nas mesas e saltando); parece não se dar conta dos perigos, pode não reagir à dor.
Gostam de sabores fortes, comidas salgadas. Comerá somente uma classe selecionada de alimentos; extremamente exigente ou minucioso com a textura, consistências, sabor, etc.
Gostam de andar descalços. Tem que estar descalço (não suporta a meias ou sapatos), ou bem odeia estar descalço.
Tem que olhar as mãos bem de perto quando realiza tarefas coordenadas, como acertar o zíper, amarrar o cadarço, usar um teclado. Tem que olhar as mãos muito de perto em todas as atividades, inclusive aquelas que já faz há muito tempo (como colocar comida em uma colher ou garfo), sempre parece desajeitado com as mãos.
Cansa-se facilmente nas atividades físicas (ex. não pode correr tanto tempo como seus companheiros). Parece incapaz de conseguir energia suficiente para iniciar ou terminar as atividades.
Tem problemas nas mudanças de tarefas (transições). É muito rígida nas suas rotinas e no modo em que as coisas devem ser feitas (ex. a comida tem que se apresentar de certo modo); se sente incomodado com qualquer mudança de rotina ou de seu entorno.
Necessita que lhe chame pelo nome e repita as instruções; se beneficia dos avisos ou sinais visuais. Não suporta o ruído ambiental e se distrai com ele; necessita repetidas chamadas físicas para que comece quando se lhe dá instruções; responde pouco se a chamada de atenção não é excessiva.

 

4.2. Modulação sensorial

Uma parte do processamento sensorial é a modulação sensorial, que nos capacita para prestar atenção ao que é importante em um dado momento. Isso nos ajuda a filtrar ruídos ambientais e outras informações sensoriais que não sejam importantes para a situação na qual agora estamos. Leva também a nossa atenção às influencias que não são importantes. A modulação controla a intensidade com que advertimos qualquer estímulo sensitivo, elevando ou baixando a informação de acordo com o necessário.

Uma pessoa com problemas de modulação sensorial responder às experiências sensoriais ordinárias com muita ou pouca intensidade. Essa pessoa é, ou demasiado sensível, ou um tanto insensível para um ou mais tipos de influência sensorial. Por ex., uma criança na classe pode virar sua cabeça para qualquer ruído de fundo e se sentir irritada pela sensação de suas meias, levando-a a se coçar ou se tocar. Essa influência sensorial não está sendo modulada de modo a permiti-la prestar total atenção à professora.

Nosso cérebro modula muito da informação sensorial que nos rodeia, o que nos permite centrar nossa atenção no que é importante. De outro modo, nos sentiríamos bombardeados e exaustos pela constante informação. O sistema nervoso “se habitua” à quantidade de estimulação que nos rodeia, o que significa que nem sempre prestamos atenção a toda informação que nos chega por todos os sentidos. Por ex., como ouvimos o zumbido da geladeira todos os dias, já não o notamos mais. Ou pode ser que não consegamos lembrar a cor de algo que vemos todos os dias. Algumas pessoas com transtornos neurológicos não filtram muito bem a estimulação sensorial que lhes chega e lhes resulta muito difícil centrar sua atenção em sua tarefa quando outra informação lhe está constantemente exigindo uma resposta.

A – Sobre resposta (hiperssensibilidade ou reação com muita intensidade)

Uma criança que sobre responde mostrará alguns dos seguintes sinais:

  • Sensibilidade excessiva à roupa;
  • Grande incômodo em relação às rotinas de higiene;
  • Incapacidade de usar meias ou meia-calça;
  • Incapacidade de tolerar o ruído ambiental;
  • Incômodo ou medo com os movimentos;
  • Resposta agressiva ao toque, não aguenta estar em uma multidão ou em uma fila.
  • Excessivo cuidado em relação à comida, tolerando somente um pequeno número de alimentos;
  • Intolerância a mudanças relacionadas à sua rotina e ao ambiente.

Para essas crianças com um limite baixo, uma quantidade pequena de informação sensorial faz com que seu sistema nervoso sobre acione, colocando-os a um nível elevado de alerta. O cérebro percebe quantidades e intensidades normais de estímulos sensoriais como incômodos inicialmente e como ameaçadores e inquietantes se persistem. As crianças que estão nesse nível elevado de alerta o tempo todo se encontram no limite e, como o objetivo do cérebro é o de sobreviver e proteger, têm dificuldade para aprender novas habilidades.

A sobre resposta pode ocasionar uma defesa sensorial. Com o fim de proteger-se do que percebe como experiências sensoriais perigosas, a criança desenvolve comportamentos de defesa, como as assinaladas anteriormente.

B – Sub resposta (hipossensibilidade ou reação com pouca intensidade)

Uma criança que sub responde mostrará os seguintes sinais de comportamento:

  • Aparenta ser muito lenta, letárgica, desmotivada;
  • Tem dificuldade para interagir, não responde;
  • Não se dá conta das mudanças em seu ambiente, quem sai e entra etc.

Quando uma criança sub responde, significa que necessita mais informação sensorial para fazer com que seu sistema nervoso se ative, para que ele possa responder. Tem um limite alto. Pode  ser que não se dê conta quando alguém lhe chama ou entra em seu quarto, quando todos os que lhe rodeiam vão comer, quando seu rosto está sujo, ou sua roupa está toda enrugada em seu corpo. Pode não se dar conta porque seu sistema nervoso não lhe está passando a informação, ou não está sendo registrada ou interpretada de um modo que lhe permita responder.

C – Buscadores de sensações

Uma criança que busca estimulação sensorial mostrará os seguintes comportamentos:

  • Expõe-se a riscos pouco seguros em seus movimentos;
  • Choca propositalmente com as coisas;
  • Gira sobre si muitas vezes sem ficar tonto;
  • Está constantemente se movendo, é incapaz de ficar quieto;
  • Toca as pessoas e as coisas em excesso;
  • Chupa ou morde excessivamente os brinquedos, as mãos, a roupa;
  • Faz ruído constantemente.

Esses comportamentos com frequência são típicos em crianças pequenas. Crianças de um, dois, três anos necessitam frequentemente da capacidade de atrasar seus próprios impulsos, são incapazes de permanecer atentos por longo tempo, parecem estar constantemente em ação e parecem estar descoordenados conforme adquirem novas habilidades motoras. Por isso, é importante sempre considerar a idade de desenvolvimento e a idade cognitiva da criança antes de interpretar seu comportamento como algo relacionado ao processamento sensorial.

Quando uma criança busca sensações, deseja e trata de conseguir estímulos sensoriais que ultrapassem o que se espera de sua idade de desenvolvimento. Frequentemente essas crianças respondem pouco ou buscam a quantidade de estímulo sensorial que necessitam para alcançar as necessidades próprias de um limite que está mais elevado no seu sistema nervoso. Entretanto, em algumas ocasiões essas crianças realmente respondem mais ao estímulo sensorial, mas em lugar de evitá-lo, buscam um tipo de estímulo em excesso para apagar os efeitos sobre estimuladores e incômodos de todos os outros estímulos. Por ex., uma criança pode estar constantemente cantarolando para apagar outros sons, se é dos que respondem com excesso ou tem hipersensibilidade ao som. Ou pode chocar contra as paredes e os móveis para tranquilizar sua hipersensibilidade ao tato superficial.

D – Combinação de problemas de processamento sensorial

Frequentemente as crianças não se situam de maneira nítida em uma categoria ou podem mostrar componentes dessas três dificuldades na modulação sensorial.

E isso se deve a que um sistema nervoso assincrônico vai oscilar mais em suas respostas ao estímulo sensorial.

Desde minhas experiências e a de outros pais que responderam a um questionário sobre sensibilidade em crianças de três a dez anos, no qual algumas crianças com síndrome de Down mostram dificuldades em sua modulação sensorial. Por ex., mostram mais frequentemente comportamentos relacionados a uma modulação sensorial própria de hiper resposta. Parece ser mais frequente a hipersensibilidade ao tato observada nas atividades de higiene pessoal, mas não em outros aspectos do processamento do tato. O processamento da audição e a forca física e o vigor foram também temas de preocupação entres os pais que responderam a pesquisa, que é o que se espera uma vez que os problemas auditivos e a hipotonia são tão frequentes.

 

Nota. O presente artigo reproduz a primeira parte do capitulo 11 “Sensory processing” do livro de Maryanne Bruni intitulado Fine Motor Skills for Children with Down Syndrome. A guide for Parents and Professional, 3 ed. Woodbine House, Bethesda MD, 2016.

Parte 2 em português – http://www.movimentodown.org.br/2016/12/o-processamento-sensorial-em-criancas-com-sindrome-de-down-parte-ii/

Fonte: Fundação Iberoamericana Down 21

Parte 1 em espanhol – http://www.down21.org/images/PDF/Procesamiento-sensorial-en-los-ninos-con-sindrome-de-Down.pdf

Parte 2 em espanhol – http://www.down21.org/revista-virtual/revista-virtual-2016/1725-revista-virtual-diciembre-2016-numero-187/3005-articulo-profesional-diciembre-2016.html