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Artigo 1:

Interdição da pessoa com deficiência – efeitos no contrato de trabalho

Autora: Maria Aparecida Gugel

INTERDIÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA. A Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência com o Decreto de promulgação nº 3.956, de 8/10/2001, ou simplesmente CONVENÇÃO DA GUATEMALA, ao tratar da possibilidade de o Estado adotar medidas de discriminação positiva (a reserva de cargos e empregos públicos do artigo 37, VII da Constituição, previsto na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e de postos de trabalho na Lei nº 8.213, de 24/7/91) em favor de pessoas com deficiência, tão necessárias para que venham a alcançar a real igualdade de oportunidades, ressalva o instituto da interdição como forma de opção para o bem-estar da pessoa:

Artigo I – 2. b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração e interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem estar, esta não constituirá discriminação.

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(link para http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8827-8826-1-PB.pdf)
Artigo 2:

O direito à escolha profissional de pessoas com deficiência intelectual

Autor: Rodolfo Augusto Matteo Ambiel – Graduando em Psicologia (Universidade São Francisco)

Historicamente o trabalho tem sido associado a um status de valoração social, por meio do qual a pessoa que exerce determinada função acaba por adquirir um valor (muitas vezes, literalmente), que por sua vez a qualifica frente à e na sociedade. Assim, o trabalho passa a ter uma função ideológica além de sua função elementar, que seria de subsistência ou manutenção da família.

A lógica do serviço em troca de dinheiro, refinada pela Revolução Industrial, em tempos de costumes tão capitalistas parece se revestir de uma importância fundamental, em que certos tipos de serviço são mais valorizados que outros. É compreensível e honesto que pessoas que tenham investido tempo e dinheiro em sua formação entrem no competitivo mercado de trabalho e busquem retorno de seu investimento e lucro com sua atividade, afinal nossos tempos são de costumes tão capitalistas. Assim, o que se percebe é que os trabalhos especializados, de caráter intelectual, parecem se situar no topo (alto e estreito) da pirâmide de valores em detrimento dos trabalhos manuais e físicos, sendo que esses últimos são destinados às pessoas com níveis inferiores de educação e especialização.

Ainda no que se refere à essa lógica, os serviços mais especializados em geral são também os que mais sofrem a influência da tal valoração social. Por isso mesmo, são os preferidos daqueles que têm a possibilidade de escolher uma profissão e uma carreira e isso pode ser observado nas listas de relação candidatos/vagas dos vestibulares, nos cursos que figuram entre as mais concorridas.

Assim, essa dinâmica profissional e suas repreentações acabam influindo também sobre o importante status psicológico que o trabalho sustenta, sendo a definição vocacional/profissional uma das tarefas desenvolvimentais da pessoa. Não é incomum se ver em situações em que uma apresentação pessoal é necessária a exposição do nome da pessoa juntamente com sua profissão. Ou seja, a profissão a identifica tanto quanto seu próprio nome: a pessoa é o que ela faz.

Nesse sentido, esse “desafio” desenvolvimental, que em geral se impõe numa época da vida em que não necessariamente se tem a clareza do que se quer e nem do que se pode, sofre também pressões externas significativas. A cobrança social em torno do “o que você vai ser quando crescer?” se reveste de um caráter profundo e muitas vezes cruel, que se inspira na possibilidade que uma parcela ainda pequena da população tem de realmente escolher uma profissão ou um curso universitário e de se formar em uma especialidade
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Esse cenário é um potencial produtor de angústias, uma vez que aqueles que não têm o direito ou possibilidade de escolher sua profissão automaticamente são valorados pela sociedade como trabalhadores “de segunda”, que muitas vezes têm de se sujeitar a trabalhar não no que gostam, não no que têm interesse, nem no que têm habilidade, mas no que tiver para fazer, onde houver vaga. E assim, a relação homem-trabalho reveste-se apenas do que há de objetivo na lógica “serviço em troca de dinheiro”, sem o aspecto da satisfação, do prazer, do bem-estar.

É claro que o fato de simplesmente se poder escolher uma carreira não garante a satisfação em exercê-la, tampouco o direito de exercê-la de fato. Cotidianamente, são vários os exemplos de pessoas especializadas, “formadas”, mas que acabam por não atuar na área escolhida, procurando outras opções de trabalho que proporcionem a subsistência, ainda que não promovam crescimento ou prazer. Afinal, a realidade se impõe!

Pode-se observar, portanto, que parece existir uma tendência (embora não seja regra) de que as pessoas com menores níveis de instrução técnica assumam cargos, funções ou empregos com menor valoração social (e financeira), com uma maior probabilidade de insatisfação laboral, e consequentes psicopatologias provenientes dessa situação.

Não se pretende afirmar que a possibilidade de escolha de uma profissão, por si só, seria a cura de todos os males do mundo do trabalho. Sabe-se bem que uma infinidade de fatores exerce influência e é influenciada pelo e no espaço laboral. Entretanto, afirma-se que a possibilidade/direito de se escolher o trabalho, levando-se em conta o ajustamento entre as características da pessoa e as exigências da atividade, favoreceriam uma melhor qualidade de vida, e consequentemente maior produtividade.

Ao se tratar da inserção e atuação profissional de pessoas com deficiência intelectual, muitas vezes essa dimensão da escolha da profissão é suprimida por diversas situações impostas à sua condição de trabalho e contratação. Um exemplo disso é a lei que prevê uma porcentagem de pessoas com necessidades especiais – sejam físicas, perceptuais ou intelectuais – no quadro de funcionários de empresas de médio a grande porte. Essa lei, sem dúvida, foi de um ganho sem precedentes para as pessoas com deficiência, permitindo uma maior visibilidade da questão por parte da sociedade, e contribuindo para que as pessoas com deficiência possam se apoderar de sua cidadania, com os direitos e deveres inerentes.

Por outro lado, os empregadores são cobrados legalmente pelo cumprimento dessa cota, uma vez que é uma lei, e sua não-observação ocasiona conseqüências previstas. Portanto, há um interesse nesse tipo de contratação, mas deve-se pensar em como tem sido feito esse processo de recrutamento e seleção, e com quais objetivos as pessoas com deficiências são contratadas. Além disso, um acompanhamento deve ser feito no sentido de uma preparação técnica e psicológica tantos das pessoas que estão sendo inseridas, quanto do ambiente que irá recebê-las.
Deve-se ter o cuidado de compreender que toda e qualquer mudança causa transtornos, e o tempo de adaptação é sempre imprescindível. Mas, deve-se cuidar também para que as contratações de pessoas com deficiências são aconteçam apenas para se cumprir a lei, pois, se assim for, que qualidade de cidadania se estará atribuindo à eles? Uma contratação que desconsidere as preferências, as inclinações, as habilidades e, principalmente, as opiniões das pessoas que serão contratadas cumpre com os interesses de apenas um dos lados, sendo que dessa forma, uma evolução de fato no sentido do empoderamento das pessoas deficientes não seria real.

Assim, uma atenção específica à escolha profissional dos jovens e adultos com deficiências intelectuais se faz urgentemente necessária, e nessa direção, a psicologia tem muito a contribuir, e também muito a aprender. Os profissionais que atuam nesse âmbito devem colocar à disposição dessa população seus conhecimentos técnicos, instrumentais e principalmente seu olhar empático e disposto para saber distinguir suas necessidades e características peculiares, assim como o faz ao trabalhar com qualquer população específica.

Para concluir, não se pode desconsiderar as evoluções significativas que têm ocorrido no que toca ao trabalho das pesssoas com deficiência, mas também não se pode perder de vista o tanto que ainda há para percorrer. O esforço para que a inserção laboral das pessoas com deficiência não se encaixe apenas no caráter mais objetivo da já citada lógica do serviço em troca de dinheiro deve ser constante, com trabalhos que busquem valorizar seus aspectos psicológicos e motivacionais, considerando suas limitações e possibilidades reais. A cidadania plena e o empoderamento dessas pessoas passa necessariamente pelo seu direito de escolher.

Fonte: Fundação Síndrome de Down