Comentário sobre o filme “O Filho Eterno”

personagem do pai, roberto e filho, fabricio, de maos dadas, descendo uma escada, com semblantes serios.

Por Mariana Reade

Na minha infância lembro de muitas situações onde alguém falava mal de gay. E de negro. E de pessoa de outra religião, classe social, etnia, etc.

“Eu não sou racista, mas também não queria ver filha minha se casando com “HOMEM DE COR””.

“Eu não sou preconceituoso não, não tenho nada contra homossexuais. Só não quero que o meu filho resolva ser GAY”.

“Imagina se tenho preconceito, mas como meu filho se casou com uma GOY, não posso recebe-la na minha casa, são questões religiosas. Dei todo o apoio pra ela se converter, foi ela que não quis”. (GOY = pessoa não judia).

Essas frases eram comuns na minha infância! Espero que você – jovem de vinte anos – nunca tenha escutado nada parecido. Elas me surpreendiam pelo preconceito, claro, e também pela total falta de lógica e honestidade. Poxa, se você é racista a ponto de não querer que sua filha se case com um homem preto, ao menos assuma o seu racismo.

Se você aceita os gays e só não aceita no caso do seu filho ser um deles, você só pode ser de fato homofóbico!

Se você é judia e só não permite sua nora goy entrar na sua casa, ou então a influencia a ponto de fazer com que ela se converta, você é sim muito preconceituosa.

Mas aqui estou escrevendo sobre o filme “O FILHO ETERNO”. Onde entra tudo isso?

Na minha ideia de futuro – ou desejo de futuro – não será aceito que pais admitam (como fez o personagem do filme O FILHO ETERNO) o luto que viveram ao descobrir que seu filho tinha trissomia do 21. Ou autismo. Ou paralisia cerebral. Ou qualquer outro tipo de “deficiência”.

Penso isso porque acredito na mudança. Penso isso porque hoje – ao menos no contexto dentro do qual vivo – os racistas, homofóbicos e segregadores não são vistos com bons olhos. Claro que ainda tem muita gente com preconceito, basta ver os índices trágicos de violência, mas a maioria das pessoas com as quais eu convivo não falaria que “não gosta de homem de cor” com naturalidade. Há um constrangimento, não é mais aceitável. Pelo menos no mundo em que eu vivo. Por outro lado, todo mundo oferece um ombro para consolar o amigo que está vivendo o LUTO porque nasceu o filho com deficiência.

Vocês já pararam pra pensar o que esse filho com deficiência vai achar de saber isso quanto tiver uns 15 anos? O que pensará o filho do Cristóvão Tezza sobre o livro que seu pai escreveu? O que acham todos os filhos que escutam seus pais conversando – EM SUA PRESENÇA –  sobre como foi difícil receber a notícia da deficiência que eles tem? Eu já presenciei uma mãe falar AO LADO DA FILHA sobre os sentimentos negativos que viveu ao saber da trissomia do 21 de sua bebê.

Não quero julgar a dor de ninguém. Tenho de verdade empatia por qualquer tipo de sofrimento. Só não entendo ser aceitável revelar sua dor enquanto pai ou mãe, expondo o seu filho com deficiência, fazendo com que ele sinta que trouxe DOR para os seus pais.

Tenho profunda convicção que o Cristóvão foi bem intencionado com seu livro, e assim foram os que levaram adiante a peça e o filme. É a história de um pai que sofre, se angustia, supera seus sentimentos e acaba por amar profundamente o seu filho. História com final feliz? Deixo cada um com sua interpretação.

Claro que o filme retrata a década de 80 e vale lembrar que o mundo mudou muito desde então. O preconceito e a falta de informação sobre os diversos tipos de deficiência diminuíram e a aceitação aumentou.

Ainda assim, o que tenho a dizer é que não gostaria que minha filha, que tem três anos e nasceu com a trissomia do 21, soubesse da existência desse filme, mesmo que retrate uma época distante.

O que eu desejo é que ela aprenda que os que rejeitam seus filhos (como fez inicialmente o personagem do filme) são tão preconceituosos como hoje em dia consideramos os que não aceitam os índios, os negros, os gays ou as mulheres divorciadas.

Mariana Reade – escritora, roteirista e diretora de documentário