Muito prazer, Izabel!

Conheça a fascinante história da vida de D. Izabel, casada há mais de trinta anos com José, mãe da Cristinna e avó de Marcos e Pedro! Uma vida em que o importante é viver! Simples assim!


 

José: É… eu queria namorar a Izabel…

Irmãos 1,2,3,4 e 5: De jeito nenhum, Izabel ainda não pode namorar…

Irmãs 6,7,8,9: Hummm….será? Acho que não…

Irmãos 10, 11, 12, 13 , 14: Vixi, pode voltar daonde você veio…com Izabel não!

Irmãs 15, 16, 17, 18: Ah…Izabel não namora não…nunca namorou….não vai dar.

Dona Maria: O que vocês estão falando aí? Se Izabel quer, Izabel pode! Vai lá, José, vai falar com Izabel, tua namorada…

E o tempo passou…

José: Então, eu e Izabel…a gente queria casar.

Irmãos 1,2,3,4 e 5: De jeito nenhum, Izabel ainda não pode casar…

Irmãs 6,7,8,9: Hummm….será? Acho que não…

Irmãos 10, 11, 12, 13 , 14: Vixi, pode voltar daonde você veio…com Izabel não!

Irmãs 15, 16, 17, 18: Ah…Izabel não casa não… não ia dar certo.

Dona Maria: O que vocês estão falando aí? Se Izabel quer, Izabel pode! Eu criei 19 filhos…cada um tem o seu jeito e faz as coisas que pode e que quer. Izabel tem o jeito dela também, e pode tudo que quiser. Então José e Izabel, vamos arrumar tudinho pra um casamento bem lindo!

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Dona Izabel e seu José, com os netos Pedro e Marcos.

Este é um diálogo fictício, mas foi o que imaginei ter acontecido lá nos anos 80, depois que Cristinna, filha de Izabel e José, contou a fascinante história de vida de seus pais. A conversa aconteceu graças à tecnologia de áudio do WhatsApp, pois Cristinna está lá em Morrinhos, cidade do estado de Goiás, onde todos desta família nasceram, e vivem até hoje.

E uma vez mais entra a tecnologia nesta história toda: graças a um comentário que fez numa página do facebook, Cristinna, atualmente com 26 anos, contou ao Brasil um detalhe de sua vida que deixou muita gente surpresa: sua mãe, Izabel, tem síndrome de Down.

Então, vamos saber um pouco mais da vida desta mulher: Izabel, caçula de 19 irmãos, filha de dona Maria e seu Manoel, casada com José, mãe de Cristinna, e avó de Marcos e Pedro.

Dona Maria era uma senhora muito rígida, criou seus filhos com pulso firme e não era diferente com Izabel. As moças da família trabalhavam na fazenda, mexendo com fumo, e também eram responsáveis pelos cuidados com a casa e a comida desta família numerosa. Izabel fazia exatamente o que as irmãs também faziam. Cristinna conta um pouco da forma como sua avó criou a filha mais nova: “Minha avó não tratou minha mãe diferente…então, se Benedita soube limpar a casa, Izabel tem que aprender! Porque se a Izabel não fizer, ela vai fazer quantas vezes for preciso até ela saber fazer! A Benedita cozinha? A Izabel tem que cozinhar também!” (Benedita é uma das irmãs de dona Izabel).

De acordo com Cristinna, seus avós nunca souberam que sua caçula tinha síndrome de Down. Esta novidade foi conhecida pela família depois de alguns anos do casamento de Izabel e José, quando dona Maria e seu Manoel já tinham falecido.

Casamento de D. Izabel e Sr. José
Casamento de D. Izabel e Sr. José

Izabel e José se casaram no início dos anos 80, quando tinham 26 e 39 anos respectivamente. Moraram por cerca de 2 anos com dona Maria (seu Manoel já tinha morrido), até José abandonar a lavoura e ir trabalhar na cidade, onde mudaram para uma casa doada pela prefeitura, onde moram até os dias de hoje. Viveram bem e sozinhos, um cuidando do outro. Depois de 10 anos de casada, Izabel estava infeliz porque não conseguia ter filhos. Seus irmãos a levaram então para Uberlândia, na tentativa de fazer um tratamento para engravidar. Lá, os médicos disseram para a Izabel e sua família que ela não engravidava porque tinha síndrome de Down. Porém, esta justificativa não procedia não, pois logo após a volta desta viagem, Izabel estava grávida! Cristinna nasceu depois de uma parto complicado por eclâmpsia, pois Izabel era hipertensa desde criança. Uma irmã mais velha de Izabel ficou 1 mês na casa deles para ajudar com o bebê. Depois disso, eram Izabel e José cuidando da pequena Cristinna em tempo integral!

Izabel e José não estudaram, mas Cristinna foi pra escola, e era sua mãe quem a levava, buscava, fazia seu lanche e a incentivava a aprender!

Cristinna e sua mãe, Izabel.
Cristinna e sua mãe, Izabel.

Cristinna recorda uma passagem interessante durante sua época de escola: “Quando eu estava na sétima série, uma professora estava ensinando sobre os cromossomos e as síndromes …e eu falei: A minha mãe tem síndrome de Down! Minha mãe tem esta síndrome…A professora olhou pra mim e falou: Não, a sua mãe não tem porque quem tem é estéril. Aí eu fui atrás de quem estava me contando que minha mãe tinha síndrome de Down. Fui atrás do meu tio, o irmão mais velho dela, porque eu estava achando que era adotada.” Os familiares então, mostraram a ela fotos de Izabel grávida, disseram que ela tinha saído daquela barriga, mas mesmo assim, Cristinna foi esclarecer suas dúvidas com médicos da cidade, que afirmaram que seu mãe podia sim ter filhos, mesmo tendo síndrome de Down.

Quando perguntada sobre sua infância, Cristinna conta que não se lembra de nada que poderia ter sido diferente de qualquer outra criança de sua idade: teve sempre a mãe e o pai cuidando dela, assim como seus amigos da escola ou da rua. Porém, na adolescência, tinha desentendimentos com a mãe, pois Izabel era muito ciumenta e queria limitar as saídas para festas ou com amigos.

Aos 17 anos, Cristinna se casou e mudou para uma casa próxima da casa dos pais, e alguns anos depois, teve seu primeiro filho, Marcos. Se separou, voltou pra casa dos pais, e tornou a se casar.  Mas desta vez, mudou de cidade, e teve um novo bebê, Pedro. Tentou levar os pais para morar com ela, porém Izabel e José não se adaptaram. Gostam mesmo é de sua casa em Morrinhos! Depois da segunda separação, voltou para perto dos pais, pois construiu uma casinha para ela e os meninos no mesmo terreno. Atualmente, Marcos está com 7 anos e Pedro, tem 3 anos. Cristinna trabalha na Companhia Energética de Goiás, e até há pouco tempo, era dona Izabel quem cuidava dos netos na sua ausência. Hoje em dia, os meninos estão na escola durante o dia, então dona Izabel fica com os meninos só a noite para que a filha termine a faculdade de Administração. Vejam o que Cristinna diz sobre a vovó cuidadora: “Ah…os meninos, meus filhos, são do tipo que dão nó em goteira 3 vezes e escondem as pontas…rsrs…são “abençoados”! E eles deixam minha mãe doida… mas ela é brava, ela briga com eles, dá palmada se for preciso, põe de castigo, cuida deles direitinho… dá comida. Quando eu chego da faculdade, tá todo mundo de barriga cheia, o mais novo já tá dormindo e o mais velho tá me esperando.”  Durante a conversa com Cristinna, perguntei para dona Izabel, que tinha chegado ali por perto, como era cuidar dos netos. Ela logo respondeu: “Eles dão trabalho, mas eles são muito bonzinhos. São o meu xodó…”

Dona Izabel parece ter boa saúde. Segundo Cristinna, ela vai todo mês ao médico devido ao tratamento da hipertensão, e também precisa usar óculos. Atualmente, seu José está aposentado, e junto com a esposa, faz tapetes de retalhos para vender. Sim, dona Izabel costura e borda! E este trabalho contribui para o orçamento das despesas da casa.

A história de dona Izabel e seu José ganhou as redes sociais, e a família está vivendo dias de fama. Pergunto como tem sido estes dias para sua mãe: “Minha mãe estranha muito as pessoas que ela não conhece, então tenho que preparar o terreno…É surreal tudo isto que está acontecendo! Recebemos a visita da mãe de um bebê com síndrome de Down de 3 meses… ela falou que ver a minha mãe, fez ela repensar, porque ela achou que ia ser escrava pro resto da vida pois nas palestras que ela assistiu, ouviu umas coisas assim…Ah, porque tem que separar a comida deles, porque tem que fazer isto e aquilo e quando ela conheceu minha mãe, ela viu que minha avó não fez nada, né? Minha avó não fez nada e minha mãe conseguiu se desenvolver e ser independente.”

Ah Cristinna…sua avó fez tudo! Sua avó deu todas as oportunidades possíveis dentro da realidade desta família, e isto fez Izabel ser o que é…

E Cristinna continua: “Assim… pela história da minha mãe, a minha avó está sendo admirada pela forma como criou a minha mãe. Mas se fosse nos dias de hoje, a minha avó ia ser crucificada…porque minha mãe foi “obrigada” a aprender! Minha avó não tratou minha mãe diferente… Sabe, então, a minha avó obrigou a minha mãe a aprender. Ela foi muito rígida. Eu sei que ela era uma pessoa muito brava. Imagina se fosse agora. O povo ia crucificar minha avó, iam falar que ela estava maltratando a minha mãe, e não é nada disso…minha mãe não tem nenhum trauma. Minha mãe viveu feliz, como todas as minhas outras tias.”

No final da nossa conversa, perguntei à Cristinna se gostaria de dizer algo às pessoas que tem um filho ou familiar com síndrome de Down. Ela não titubeou na resposta: “Eu admiro muito as mães que não enxergam a deficiência no filho. Porque 99% das pessoas que eu conheci, carregam o filho dentro de um casulo. Não dá a chance. Elas até fingem que estão incentivando alguma coisa, mas mantém os filhos dependentes. Eu acredito que tem que desmistificar esta história de que quem tem síndrome de Down aprende pouco e que precisa de ajuda. Eles precisam de incentivo, eles não precisam de ajuda. Minha mãe não foi ajudada em nada não, minha mãe foi incentivada! O que eu vejo assim destas outras mães…gente, é um filho igual a todos os outros! A gente só precisa oferecer o apoio e deixar eles traçarem os próprios passos. Pelo menos é nisso que eu acredito. Eu posso não entender o lado de quem é mãe de um filho com deficiência, mas eu sou mãe. Posso não ter um filho com um cromossomo a mais, mas eu sou mãe e os meus filhos não são mimados. Tem que desmistificar esta história: ah, o meu filho é especial…todos os filhos são especiais! Independente da quantidade de cromossomos que eles tenham. Filho é igual, independente do número de cromossomos.”

Pois é…esta é uma história que nos faz refletir tanto , não?

Como foi bom para dona Izabel viver a maior parte da sua vida longe de rótulos, expectativas (ou a falta delas) e prognósticos. Viver, simples assim.

É aquela história que a gente vai escutando e um sorrisinho vai formando nos nossos lábios. Ao menos foi assim pra mim. E você, o que achou?

Por Ana Claudia Brandão.

Ana Claudia é médica especialista em pediatria pelo Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Pediatra responsável pelo ambulatório de síndrome de Down do Centro de Especialidades Pediátricas do Hospital Albert Einstein e do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis, e colaboradora voluntária do Movimento Down.

Foto: arquivo pessoal