Criar os filhos sem preconceito passa pela convivência com a diversidade

Mães compartilham, a partir de suas vivências, histórias de crianças especiais que mudaram a vida de outras pelo simples convívio no dia a dia.

Depois de entenderem o que é Síndrome de Down, colegas da turma de Pedro o aceitaram  rapidamente Crédito da foto: Paula Moreira Fotografia
Depois de entenderem o que é Síndrome de Down, colegas da turma de Pedro o aceitaram rapidamente
Crédito da foto: Paula Moreira Fotografia

 

Quando Pedro, com então 8 anos, chegou à nova escola, os colegas de turma ficaram curiosos. “Por que você tem olhos puxados? Por que você fala enrolado?”, perguntavam. O menino, mesmo com boa autoestima, se deu conta de que era diferente. Como não gosta de ser o centro das atenções, nesse momento, Pedro acabou se achando feio e burro. Ele foi o primeiro aluno da turma com Síndrome de Down. E a diferença acabou atraindo a atenção dos outros alunos. Mas não durou muito tempo.

A mãe Ana Claudia Corrêa, advogada e consultora jurídica do Movimento Down, não pensou duas vezes: pegou as últimas revistinhas em quadrinhos da Turma da Mônica que tinha sobre o tema e deu para os colegas do filho. “Explicamos para eles o que era Síndrome de Down e fizemos também um trabalho com a escola. Se o Pedro fizesse alguma besteira, ele era tratado como todas as outras crianças. Não era para ter tratamento diferenciado”, explica. E, assim, acabou a curiosidade e o possível preconceito com o desconhecido entre os alunos.

Ao passar a informação sobre as diferenças de seu filho, Ana Claudia seguiu o que acredita ser a melhor forma de combater o preconceito: “É importante que, quando as crianças venham perguntar, sobre meu filho, eu explique a elas o que o Pedro tem”.

Ou seja, impedir que seu filho chegue perto de alguém com síndrome, algum transtorno ou deficiência física pode incentivar o preconceito. O receio pelo desconhecido é um passo para a não aceitação. Portanto, não hesite em estimulá-lo a fazer perguntas ao colega novo da turma, por exemplo. “Quando passamos a informação, vemos que a inclusão é benéfica para todos”, defende Ana Claudia.

“O que digo para que os pais possam criar crianças sem preconceito? Que estejam abertos ao diferente”.

Já para a Diretora-Executiva do Instituto Autismo & Vida Renata Bonotto a convivência entre crianças diferentes é sempre proveitosa para todos os lados. “Todo encontro com a diversidade é uma possibilidade de aprendizagem e crescimento. Tanto para a criança que tem deficiência como para a criança sem. Ele será menos preconceituoso, vai ser maleável, desenvolver paciência, vai ser muito mais flexível. O que digo para que os pais possam criar crianças sem preconceito? Que estejam abertos ao diferente. Venham falar comigo, conversem com meu filho”, diz Renata.

A psicanalista Paulina Schmidtbauer Rocha trabalha há 40 anos com autismo infantil e conta que há 30 ou 40 anos as crianças com Síndrome de Down, autismo infantil ou surdas nem eram escolarizadas. As famílias, envergonhadas, escondiam as crianças, que ficavam em casa, a maior parte do tempo.”No máximo frequentavam as escolas especiais”, lembra.

Nos anos 1970, cianças com Síndrome de Down não eram alfabetizados no Brasil. Era esperado que eles não desenvolvessem a capacidade intelectual, nem a motricidade. Hoje em dia, isso mudou. Eles estão nas ruas, nos supermercados, nas praias, nos museus, nos cinemas, nas escolas. Estão em todos os cantos e a convivência não é mais uma novidade. “Quando se confirma o diagnóstico, as crianças fazem fisioterapia, fonoaudiologia, e outros tratamentos necessários. Além disso, vão à escola, participam de várias atividades normalmente. Mas às vezes ainda escuto de pais de filhos com autismo que não vão convidar outras crianças para o aniversário do filho porque acham que eles não vão. Por precaução, nem convidam. É uma segregação preventiva”, conta a psicanalista. “Os pais têm que ficar antenados com os professores para que eles harmonizem a sala, e fazer com que todos possam se relacionar com todos”, explica Paulina.

Mayara ao lado da mãe numa festa. Convívio pode ser difícil, mas Mayara leva vida normal Crédito da foto: Arquivo pessoal
Mayara ao lado da mãe numa festa. Convívio pode ser difícil, mas Mayara leva vida normal
Crédito da foto: Arquivo pessoal

 

“Não importa se a criança tem uma deficiência ou se ela tem algum tipo de dificuldade de socialização, de se integrar em um grupo. Se ela é muito tímida ou muito agressiva, por exemplo, ela poderá ser rejeitada por outras crianças. Mesmo não tendo uma deficiência aparente. Hoje em dia, nas escolas, os professores costumam ter problemas com 3 ou 4 crianças, mas elas não representam nenhum grau de patologia ou deficiência”, explica Paulina.

Mariana de Paiva Olivieri é mãe de três meninos lindos. O primogênito nasceu há 11 anos e, hoje em dia, tem agenda cheia. Além da escola, faz natação, taekwondo, terapia, fisioterapia e fono. Joaquim não tem um diagnóstico fechado. Possui algumas características da rara Síndrome Rubinstein-Paybi e está dentro do espectro do autismo por não falar.

Para Mariana, a melhor maneira de educar crianças sem preconceito é fazer com que elas convivam com o diferente sempre. “Por isso, as escolas têm que ser menos preguiçosas. A criança especial demanda que os professores estudem, que as escolas se preparem”, diz. Nas festinhas, Mariana sempre nota que as crianças que ainda não conhecem Joaquim ficam curiosas. “Mas quem convive com crianças com necessidades especiais é mais acolhedor, mais sensível. Em diferentes momentos, em parques ou em festas, me perguntam ‘por que ele não fala?’ E se, por alguma razão, eles se relacionam, acabam construindo um vínculo. As crianças que convivem com o diferente são mais pacientes e acabam construindo uma relação”, afirma.

A filha de Lucinete Ferreira de Andrade, Mayara, foi diagnosticada com autismo aos 2 anos e meio. Hoje, com 10 anos, é uma menina linda, com cabelos cheios e encaracolados. Fisicamente não tem nada que a diferencie das outras crianças. Mas, quando alguém chega perto dela para brincar, Mayara ignora e continua no seu canto, sem interagir. “Nesse momento”, diz a mãe, “tento explicar à criança que minha filha é especial, que ela é autista e não gosta de ter contato com outras crianças. O grande problema do preconceito é a falta de conhecimento”, resume Lucinete, que faz parte da Associação Brasileira de Autismo, Comportamento e intervenção do Distrito Federal.

Fonte: Globo Educação