Artigo: O Momento da Notícia

A gestação e o nascimento de um filho é uma experiência ímpar, faz parte do ciclo de vida de uma família e em muitos casos, representa a realização social e emocional do casal. Durante a gestação, apesar de existirem sentimentos de insegurança em relação à saúde do novo membro (prematuridade, morte do feto, malformações, deficiências), predominam as expectativas de nascimento do filho saudável. Os pais projetam em seus filhos anseios e desejos, muitas vezes construídos para si, e assim, este novo ser vai sendo processado no imaginário do casal.

Embora os pais temam a possibilidade de uma malformação, o filho esperado e imaginado é sempre saudável e “perfeito”. Porém, quando o filho real difere do imaginário, as respostas de negação ou aceitação se refletirão no vínculo que é estabelecido e, por conseguinte, nos cuidados dispensados ao filho, interferindo no seu crescimento e desenvolvimento. Sabemos que quanto melhor forem atendidas as necessidades básicas da criança de afeto e carinho, mais positivas serão as respostas apresentadas de adaptação e desenvolvimento. Atender somente às necessidades fisiológicas não é o bastante: é preciso falar, tocar, acariciar e estimular este novo filho, e isto tende a acontecer de forma mais natural quando é desenvolvido um bom vínculo entre os pais e o novo bebê.

Em geral, o nascimento de um filho com síndrome de Down (SD), que certamente é diferente daquele imaginado, torna-se um evento traumático e desestruturador, com grande impacto no equilíbrio familiar. A reação dos pais diante do diagnóstico apresenta-se de forma variada: revolta, medo, incredulidade, culpa, tristeza, estranheza, vergonha, frustração, rejeição, negação, apatia, raiva, conformismo, etc. As características desta reação são determinadas pelos significados sociais e crenças dos pais e mães em relação à deficiência. A recorrência a este repertório é necessária e os ajuda na compreensão do momento vivido por eles. Estes mais variados sentimentos e estados de humor vão se alternando, desencadeando um processo de adaptação dos pais à nova situação familiar, sendo o tempo necessário bastante distinto entre as famílias e mesmo entre o pai ou a mãe.

Considerando todo o exposto, o momento da notícia do nascimento do filho com síndrome de Down é de fundamental importância. A forma como a notícia é dada, o momento e o tipo de linguagem utilizada podem comprometer a compreensão dos aspectos clínicos, influenciar nas expectativas dos pais em relação ao desenvolvimento físico, mental e emocional de seu filho, dificultar o estabelecimento dos vínculos afetivos e exacerbar ou minimizar os conflitos intrapsíquicos e interpessoais existentes entre o casal. O impacto causado é enorme, não somente no momento inicial, mas também mais tarde, refletindo ao longo de suas vidas e na de seus filhos. A maneira como a notícia é apresentada determina não somente a imagem que os pais criam sobre seu novo filho e seu futuro, mas também suas projeções sobre o futuro de toda a família. O grande desafio deste momento é proporcionar aos pais um processo de adaptação que tenha uma conotação positiva, conduzindo a situação de uma forma que traga mais satisfação e menos frustração.

Para que todo o processo do momento da notícia cumpra seus objetivos é primordial que os profissionais envolvidos estejam bem preparados emocionalmente e tecnicamente para lidarem com a situação, o que infelizmente ainda não é a realidade em nossos hospitais e maternidades. Embora o diagnóstico clínico seja realizado facilmente pelos médicos, o processo de dar a informação aos pais de maneira sensível e respeitosa não o é. A maioria dos profissionais admite que não recebeu formação sobre esta situação ou a mesma foi muito superficial e escassa. Consideram-se despreparados, sentem-se ansiosos, experimentam desconforto e sentimento de impotência ao ter que comunicar o diagnóstico de SD às famílias. Isto reflete a pouca atenção dada a esta prática na graduação acadêmica dos cursos de medicina e mesmo nas residências de pediatria ou obstetrícia, onde não acontecem os treinamentos necessários. Têm sido observadas atitudes como omissão da informação, minimização ou exacerbação do quadro clínico, colocação de valores pessoais, informações insuficientes ou mesmo bastante desatualizadas sobre as condições atuais de pessoas com SD.

As necessidades e os direitos das pessoas com deficiência intelectual, incluindo as com SD, têm sido bastante enfatizados e discutidos nos últimos 30 anos. Atualmente estas pessoas podem ter uma vida plena de realizações notáveis e contribuir de forma significativa em suas comunidades. Os cuidados de saúde, bem como as oportunidades educacionais e de trabalho hoje oferecidas a estas pessoas têm proporcionado uma melhora considerável em sua qualidade de vida, refletindo inclusive em sua expectativa de vida (atualmente entre 55 e 60 anos), e estes fatos devem ser compartilhados com a família. Porém, para que isto aconteça, os profissionais necessitam estar atualizados sobre a situação atual das pessoas com SD em nosso meio.

Desde a década de 60, investigadores de diversos países tem estudado as maneiras pelas quais os médicos comunicam o diagnóstico de SD. Na maioria das vezes, as limitações destes estudos consistem em amostras pequenas e realização de breves questionários, principalmente quando observamos a literatura nacional. Muitos estudos têm analisado retrospectivamente as experiências prévias de pais destas crianças em relação ao momento da notícia e perguntado a estes mesmos pais como eles prefeririam ter sido informados.

A insatisfação com o momento da notícia tem sido elevada, apesar destas inúmeras publicações já oferecerem recomendações que poderiam melhorar este cenário. Já em 1984, Cunningham e cols. estabeleceram um modelo de abordagem para a informação do diagnóstico de SD às famílias de acordo com recomendações da literatura que resultava em níveis próximos de 100% de satisfação. Este estudo demonstra que a insatisfação parental com o momento do diagnóstico não é inevitável, reforçando a necessidade de grande investimento na formação e treinamento dos profissionais da saúde, principalmente daqueles relacionados ao cuidado imediato dos bebês nas maternidades (obstetras, pediatras e enfermeiras). Apesar de alguns estudos demonstrarem alguma melhora nesta abordagem, infelizmente o que ainda presenciamos são as repetições das más práticas em todo o mundo.

Em 1993, um estudo com um pequeno número de pais que haviam tido filhos com SD concluiu que se necessitavam múltiplos componentes para reforçar o diálogo inicial entre os pais e os médicos, dentre os principais: clareza do diagnóstico, reforços sobre os aspectos positivos desta criança, encaminhamento para especialistas /grupos de apoio e presença de ambos os pais e do bebê no momento da notícia.

Quine e cols. na Inglaterra, em 1994, analisaram a experiência de 166 pais que tiveram filhos com alguma deficiência grave física ou mental (56 destes tinham SD) e aproximadamente 58% se sentiram insatisfeitos com o modo pelo qual seu médico lhes havia dado o diagnóstico, principalmente em relação às poucas informações sobre a síndrome.

Num estudo de 1995 com famílias de crianças americanas com SD, a maioria dos pais revelou-se chocada com o diagnóstico e mostrou-se bastante frustrada com a maneira como lhes foi dada a notícia. As principais queixas se relacionavam a receber o diagnóstico pelo telefone ou na presença de outras pessoas no quarto da maternidade, além das informações sobre a SD serem antiquadas ou inadequadas.

É bom salientar que a maioria das sugestões dadas pelas famílias analisadas, bem como os principais pontos de frustração descritos nestes estudos previamente citados, já eram sabidos desde as décadas de 70 e 80 com os primeiros trabalhos publicados sobre o assunto.

Recentemente foram publicados três estudos neste tema. Em 2002, Hedov e cols. analisaram através de questionário 86 famílias na Suécia que haviam tido um filho com SD, e  determinaram se nas maternidades em que haviam nascido estas crianças, existia um programa de metas em relação ao momento da notícia e apoio aos pais destes recém nascidos.  O trabalho concluiu que apesar das instituições apresentarem objetivos relativamente consistentes em relação a este assunto, na maioria das vezes, os mesmos não se concretizavam na “vida real”.

Em relação ao se sentirem apoiados, 56% estavam insatisfeitos, 70% consideraram insuficientes as informações recebidas, na maioria das vezes, centradas em aspectos negativos das crianças com SD e apenas 50% estavam satisfeitos com o momento em que a notícia foi dada (em termos de horas após o nascimento). Em 2004, Skotko e Canal publicaram um estudo realizado na Espanha com um expressivo número de famílias (467), utilizando-se da mesma ferramenta (questionários enviados às mães de crianças com SD). Concluíram que o nível de insatisfação em relação ao momento do diagnóstico e apoio aos pais foi considerável: a maioria afirmou que os médicos proporcionaram uma quantidade insuficiente de informações; comunicaram o diagnóstico de maneira rápida e fria; raramente falavam dos aspectos positivos das crianças; receberam escasso material por escrito sobre SD e a poucos haviam sido disponibilizado contato com grupos de apoio ou outros familiares de crianças com a síndrome.

Para as poucas mães que se sentiram apoiadas neste momento, suas respostas estavam significantemente correlacionadas com o fato de que as informações obtidas pelo seu médico e o material impresso disponível enfatizavam os aspectos positivos da SD. Também puderam constatar que pouca mudança ocorreu no comportamento médico comparando-se com a situação da década de 70. O mesmo autor, em 2005, aplicando o mesmo questionário a 985 mães americanas com filhos com diagnóstico pós-natal obteve resultados muito semelhantes.

Apesar de estes estudos estarem baseados nas memórias dos pais sobre este momento vivido, sabe-se que a memória para situações emocionais impactantes, como é o fato de tornar-se pai ou mãe de uma criança com SD, é duradoura e intensa e pode ser considerada na análise de todas as variáveis já descritas.

Analisando os dados da literatura podemos afirmar que muitas são as sugestões dadas pelas próprias famílias de como o profissional da saúde deve se portar frente a difícil tarefa de comunicar o nascimento de um bebê com o diagnóstico de SD. Quase todas as recomendações se repetem nos mais variados estudos ao longo das décadas e em diferentes locais do mundo, porém ainda não são a prática atual na imensa maioria dos hospitais e maternidades.

De acordo com o exposto, podemos elaborar um roteiro a ser seguido pelos profissionais de saúde envolvidos nos cuidados da nova família e do recém nascido com SD em relação ao momento da notícia. Em 2009, Skotko e cols publicaram uma revisão sistemática, determinando estas orientações baseadas em evidência para a notícia dada no período pós natal. Estas sugestões não têm a intenção de ser uma “receita” que deve ser cumprida com exatidão, pois devemos levar em conta as particularidades de cada região do mundo e das pessoas, mas certamente é um guia de orientação que pode minimizar este momento tão importante das vidas destas famílias e de seus filhos.

Orientações para o momento da notícia:

1)      A pessoa a comunicar o diagnóstico deve ser um médico, de preferência aquele que tem o melhor vínculo com a família, e se possível, o que mais tem conhecimento sobre a síndrome de Down (nível de evidência A). Quando a notícia é dada, os pais têm muitas dúvidas e preocupações em relação à saúde e o médico é a pessoa mais apropriada para dar corretamente estas respostas. Geralmente este médico corresponde à figura do obstetra ou do pediatra da família. Caso isto não seja possível, o pediatra neonatologista pode se incumbir da tarefa. Enfermeiras, psicólogos ou outros profissionais, apesar de serem muito importantes no apoio à família, não devem se antecipar ao médico.

2)       Os obstetras devem coordenar as informações dadas à família junto com os pediatras e neonatologistas. Diferentes médicos têm diferentes posições e é essencial para as famílias que não hajam informações desencontradas. Uma vez que exista a suspeita diagnóstica deve-se chegar a um consenso sobre a melhor conduta a ser tomada e toda a equipe deve seguir as mesmas orientações. Muitos pais descrevem como uma situação bastante desapontadora aquele silêncio que ronda o nascimento de seu filho, médicos que evitam entrar no quarto, enfermeiras que evitam o contato ocular. Durante este tempo os pais sentem-se alarmados e assustados, sem saber o que está ocorrendo, e preferem ser informados mesmo que não haja um diagnóstico definitivo.

3)      A notícia deve ser dada assim que a mãe estiver estável e tão logo exista a suspeita diagnóstica. O ideal é que o momento seja após a recuperação anestésica, com a mãe já no quarto, mais descansada e na presença do bebê (nível de evidência A). Preferencialmente, a primeira amamentação já deve ter ocorrido, proporcionando a oportunidade da mãe e pai observarem seu filho por inteiro, o que vai prevenir a elaboração de fantasias sobre o aspecto da criança, ou mesmo a recusa em conhecer o filho. A maioria das mães sente-se insatisfeita tanto com a notícia já na sala de parto, assim como aquela recebida somente com a confirmação através de exame genéticos. Nas situações em que a criança requer cuidados intensivos imediatos, os pais devem ser informados prontamente, já que podem ser necessários procedimentos invasivos aos quais a família necessita estar ciente.

4)      Sempre que possível, o médico deve dar a notícia para ambos os pais, conjuntamente. Se os pais estão no hospital, o médico deve reuni-los num local reservado e explicar o diagnóstico de SD (nível de evidência A). Neste momento, os pais necessitam de apoio mútuo e a presença de parentes ou visitas é totalmente desaconselhável. Contar a apenas um dos pais faz com que o mesmo se sinta sobrecarregado e responsável por noticiar o parceiro com informações precisas, acarretando sobrecarga emocional ainda maior. Caso não seja possível a presença de ambos, o médico deve explicar a notícia e se prontificar a repeti-las assim que o outro cônjuge estiver presente.  A criança deve estar preferencialmente no colo de um dos pais e deve ser estimulado o contato físico com o bebê neste momento (nível de evidência C).

5)      Ao dar a notícia o médico deve primeiramente parabenizar os pais pelo nascimento do bebê, como se faz habitualmente nestas ocasiões, assim como a informação de que o recém nascido é saudável (ou não, caso já tenham sido realizados diagnósticos de patologias associadas).  Deve-se empregar uma linguagem delicada, afetuosa e respeitosa e ao se referir ao bebê, utilizar o nome que eventualmente já tenha sido escolhido para o mesmo. Nunca se referir com adjetivos ou termos pejorativos utilizados no passado (retardado, retardo mental, mongolóide) e também não começar a conversa com a expressão “Eu sinto muito, mas…”, “O seu filho tem uma doença…”, “…é diferente dos bebês normais…”; é preferível dizer “O seu bebê tem uma condição especial que se chama…”, “ o que o diferencia dos outros bebês é…”. Do contrário, acaba-se reforçando com a linguagem a condição de menosvalia que os pais já estão sentindo pelo seu filho (nível de evidência A). As famílias desejam saber o que é a SD, como acontece e o que significa ter um bebê com SD nos dias de hoje. Quando for explicar as especificidades da SD, o médico deve cuidadosamente elaborar um panorama equilibrado, explicando as prováveis comorbidades e limitações destas crianças, mas prioritariamente ressaltar os aspectos positivos, destacando suas potencialidades e possibilidades de conquistas. Em relação às condições médicas, informar aquelas mais observadas nas crianças menores de um ano. Nesta ocasião é importante avaliar o que os pais já conhecem sobre a síndrome e também desfazer qualquer sentimento de culpa que possa aparecer. É impossível dar todas as informações neste momento, já que a carga emocional faz com que somente parte destas sejam retidas e compreendidas. As informações devem ser suficientes para que respondam aos questionamentos imediatos de ambos os pais e englobar algo sobre a descrição das investigações e procedimentos necessários para uma avaliação da saúde da criança. Não esquecer que a forma e o conteúdo destas informações podem comprometer o desenrolar do vínculo familiar e as expectativas e crenças frente ao prognóstico do “novo” filho. O médico não deve fazer previsões e nem reforçar esteriótipos (“são amorosos”… “gostam de música”… “é um anjo”… “vai ser sua eterna criança”…). Uma discussão mais completa sobre o diagnóstico deve ser postergada para depois de algumas horas, quando os pais estiverem pelo menos parcialmente recuperados do estresse do parto e da notícia inicial. Ao final, o médico deve se prontificar a estar disponível quando requisitado para novas informações e também a conversar com familiares próximos .

6)      O médico deve guardar suas opiniões pessoais para si, a não ser que tenham sido questionados. A expectativa dos pais é de que o médico forneça as informações mais atualizadas possíveis sobre a SD, sem a intervenção de seus valores pessoais e possíveis conceitos pré-estabelecidos.

7)      Os casais devem receber materiais impressos com informações atualizadas sobre síndrome de Down e que descrevam um painel positivo sobre estas pessoas. Se o serviço de saúde não tem condições estruturais para o fornecimento deste material, deve ao menos disponibilizar aos pais uma lista por escrito com a literatura recomendada. Atualmente existem bons sites que podem ser recomendados a estas famílias e neles informações diversas e adequadas (nível de evidência A). Também é interessante fornecer a estes pais um “checklist” sobre informações relevantes em relação a saúde destes recém nascidos.

8)      Orientar sobre a necessidade de iniciar programas de estimulação essencial já nos primeiros meses com equipe multidisciplinar, além de encaminhar para especialistas ou clínicas especializadas (nível de evidência C).

9)      Aos casais, deve ser disponibilizada a possibilidade de contatos com grupos de apoio e com outras famílias com filhos com SD (nível de evidência A). Claro que esta decisão cabe aos pais, mas na maioria das vezes, esta é uma experiência valiosa para estas novas famílias, especialmente no decorrer dos primeiros anos de vida desta criança. É aconselhável que os hospitais estabeleçam conexões com os grupos locais de apoio aos pais. Estes grupos de apoio oferecem conhecimento prático, além de proporcionar o começo de uma relação duradoura.

10)  O médico designado a notificar o novo casal, assim como qualquer outro profissional da saúde, deve estar ciente sobre a realidade atual e das potencialidades de uma criança se desenvolver com a SD (nível de evidência A). É importante que o médico esteja informado sobre os potenciais educacionais, de inserção social e no mercado de trabalho. Estar atualizado em relação à literatura médica e científica não é suficiente.

Posterior à primeira notícia, a equipe de saúde deve atuar em uníssono reforçando o período de vínculo, a importância da amamentação e os momentos valiosos de estreito contato do bebê com ambos os pais, ou seja, valorizar a vinculação afetiva a todo o momento. Estas ações procuram reduzir os sentimentos de ambivalência e negação posterior.

Algumas palavras sobre a notícia no diagnóstico pré-natal

 O diagnóstico pré-natal da SD é possível ao considerar a combinação de elementos como antecedentes clínicos, marcadores à ultrassonografia fetal e provas bioquímicas. Recentemente, um novo teste não invasivo foi lançado para o diagnóstico já nas primeiras semanas de gestação, realizado com coleta de sangue materno, que detecta o DNA fetal possibilitando o diagnóstico da trissomia do 21 com quase 99% de acurácia em gestações de maior risco. Quando estes exames de triagem realizados no início da gestação apontam uma chance aumentada para a ocorrência de feto com SD, pode-se indicar a realização de exames mais invasivos, como a amniocentese e biópsia de vilo corial. Estes métodos diagnósticos não são isentos de riscos, porém determinam com grande precisão a existência das alterações genéticas responsáveis pela ocorrência da síndrome.

A pesquisa antenatal da SD, como de outras alterações cromossômicas ou malformações, pode ter como um dos objetivos o término da gestação, decisão que gera questionamentos éticos em qualquer lugar do mundo, mesmo naqueles países em que este tipo de abortamento seja amparado por lei. Entretanto, em nosso país, onde o aborto eugênico é considerado crime, iniciar a pesquisa pré natal da trissomia do 21 significa, necessariamente, antecipar os efeitos que podem ter nos pais a certeza diagnóstica. Isto implica a adequada informação da equipe de saúde, coordenação oportuna entre obstetra e médicos da equipe de medicina fetal, neonatologistas, geneticistas e redes de apoio. A estrutura de trabalho deve permitir aos pais estarem informados sobre a evolução de seu bebê durante a gestação bem como em período posterior ao parto (estudo genético, diagnósticos de eventuais malformações, distúrbios metabólicos, etc.) e também no modo de assistência e orientação que os espera. Isto ajuda a minimizar a intensidade do impacto emocional que desencadeia o nascimento de um filho com SD.

As informações que os casais recebem no diagnóstico pré natal tendem a ser mais “negativas”, enfatizando as potenciais complicações médicas. Entretanto, as sugestões de abordagem do momento da notícia descritas anteriormente para o diagnóstico pós natal se aplicam também para esta situação com algumas particularidades, pois delas vão derivar o entendimento inicial desta família e as estratégias que irão utilizar para “seguir em frente”. O impacto do diagnóstico pré natal também é avassalador e o modo como é dada a notícia também implica no futuro da relação do casal com a gestação em curso e com este novo bebê.

Um estudo de Skotko de 2005 avaliou os níveis de satisfação de 141 mães que tiveram o diagnóstico pré natal de SD. O mesmo autor publicou em 2009 uma revisão onde determinou as recomendações baseadas em evidência de como os médicos deveriam fornecer a notícia de um diagnóstico pré natal de SD aos casais gestantes.  Dentre as particularidades, por tratar-se de diagnóstico pré natal, algumas sugestões valem ser ressaltadas:

– Os resultados dos testes de triagem devem ser claramente explicados como “chance de ocorrência”, e não como “positivos” ou “negativos”, já que a sensibilidade e valor preditivo positivo destes testes devem ser considerados. O entendimento dos testes de triagem é fundamental para o casal decidir se irá ou não optar pelos testes diagnósticos. A maioria das mães gostaria de ter explicações sobre a síndrome antes mesmo dos resultados da amniocentese ou biópsia de vilo corial.

– Os resultados dos testes diagnósticos (amniocentese e biópsia de vilo), sempre que possível, devem ser dados pessoalmente ao casal. Os casais preferem receber a notícia de um profissional de saúde que tenha bons conhecimentos sobre as crianças com SD já na primeira conversa, e nem sempre este profissional é o obstetra que faz o pré natal. Portanto, a colaboração entre os profissionais de saúde é essencial. O médico deve propor o agendamento de uma consulta e evitar ao máximo dar o diagnóstico pelo telefone.

– Discutir as razões do porquê da continuidade da investigação diagnóstica ou  da necessidade dos exames invasivos após um screening com chance elevada: para a certeza do diagnóstico, possibilidade de antecipar os cuidados de saúde necessários pelo recém-nascido na maternidade, “preparação” do casal e familiares, bem como decisões sobre a gestação em si (continuidade, interrupção, ou mesmo dispor o bebê para a adoção após o nascimento – nos países onde este estudo foi realizado – Estados Unidos e Espanha – é permitido a colocação para adoção ou realização do aborto nestes casos, se for o que o casal decidir).

– Informações desatualizadas sobre a SD, opiniões pessoais e comentários que pareçam questionar as decisões do casal não devem ser comentadas. Linguagem respeitosa e sensível também é desejada pelos casais.

– No caso dos fetos com SD apresentarem aos exames pré natais defeitos estruturais do coração, ou outras malformações, deve-se indicar uma consulta com especialistas.

Em relação às informações atualizadas sobre a criança com síndrome de Down, possibilidades de contato com famílias e grupos de apoio, bem como a disponibilidade de material atualizado por escrito, vale o discutido sobre a notícia pós natal.

Todas estas recomendações são factíveis e podem ser executadas pela equipe de saúde dos mais diversos hospitais. O investimento na educação continuada dos profissionais de saúde, assim como a reestruturação curricular dos cursos de graduação e residências em pediatria e obstetrícia com treinamento e orientações neste tema faz-se urgente. A aplicação destas recomendações certamente causa um impacto positivo prolongado sobre a capacidade dos pais se adaptarem e enfrentarem o futuro de seus filhos. Alguns irão se perguntar se não é inevitável a insatisfação frente a um diagnóstico inesperado, como é o da síndrome de Down. A literatura nos informa que os casais descrevem suas emoções com independência em relação às sugestões sobre a prática a seguir. São capazes de distinguir entre sua tristeza pelo diagnóstico e suas frustrações perante as posturas inadequadas do médico e outros profissionais da saúde.

A conclusão parece óbvia: ao se estabelecerem padrões adequados de abordagem, os níveis de satisfação melhoram e consequentemente criam-se vínculos familiares mais saudáveis. E isto faz a diferença.

Informações consideradas essenciais no Momento da Notícia

– Causada pela presença de material genético extra (um cromossomo   21 a mais)
– Diagnóstico confirmado pela análise cromossômica (cariótipo)
– Chance de recorrência nas futuras gestações
– Possibilidade de uma ou mais alterações congênitas (50%)
– Causada pela presença de material genético extra (um cromossomo   21 a mais)
– Diagnóstico confirmado pela análise cromossômica (cariótipo)
– Chance de recorrência nas futuras gestações
– Possibilidade de uma ou mais alterações congênitas (50%)
– Hipotonia (80%)
– Cardiopatia congênita que possivelmente requeira tratamento   cirúrgico (40 a 60%)
– Malformação intestinal que possivelmente requeira tratamento   cirúrgico (12%)
– Deficiência intelectual que varia de leve a moderada
– Atraso do desenvolvimento
– Necessidade de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia   ocupacional
– Necessidade de estimulação precoce
– Mais parecida com outras crianças do que diferentes
– Inclusão em escolas regulares
– Fazem ensino médio
– Tem amigos
– Vida independente
– Moradias compartilhadas com suporte
– Possibilidade de participação no mercado de trabalho competitivamente
– Tem relacionamentos íntimos
– Expectativa de vida entre 50 e 60 anos
– Participa de atividades esportivas da comunidade
– Comprometidos com as atividades das quais participam
– Grupos de apoio e suporte para os pais
– Associações de defesa e websites
– Centros de intervenção precoce
– Material por escrito atualizado, livros, cartilhas
– Contato com famílias que tem filhos com SD
– Encaminhar para especialistas

(adaptado de Sheets KB e cols 2011)

Bibliografia

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Por Ana Claudia Brandão
Pediatra do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis
Médica do Centro de Especialidades Pediátricas do Hospital Albert Einstein – ambulatório de Síndrome de Down
Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria – área de Atuação em Alergia e Imunologia