Educação Sexual e a Síndrome de Down

Artigo de Meire Gomes* ressalta a importância do diálogo entre pais e filhos para evitar comportamentos indesejáveis

A educação sexual ainda é um tabu na nossa sociedade, e algo difícil de ser feita, principalmente por visar uma fase delicadíssima da vida que é a adolescência. A educação sexual é complexa, pois não se restringe à percepção do amadurecimento físico para a relação sexual atingido com a puberdade, mas sim, envolve questões psico-afetivas, a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a prevenção da gravidez precoce e do abuso sexual. Saber que o corpo está preparado fisicamente para relação sexual é um fato, mas como podemos saber se nosso filho está psico-afetivamente preparado? Até onde podemos interferir?

A orientação sexual vai depender do desenvolvimento intelectual do adolescente e do que a família percebe em relação ao seu interesse sexual.Deve ser feita sem pressa e por partes, evitando um volume grande de informação. Com a TV, revistas, filmes e músicas veiculadas atualmente, a curiosidade das crianças tem sido despertada cada vez mais cedo. Para todos os pais, seus filhos são sempre crianças e muitos evitam até em imaginar seus filhos mantendo relações sexuais, o que é perfeitamente normal. Quando se trata de crianças Down, a duplicação desse sentimento é compreensível o que faz com que a educação sexual trabalhada em casa seja mais árdua e mais importante que para as outras crianças.

O Primeiro Passo para a educação sexual é reconhecer e aceitar que o adolescente está fisicamente preparado para uma relação sexual. Para assumir a necessidade de educar o adolescente, aceitar isso é fundamental. O Segundo Passo é a abertura do diálogo. A criança precisa saber que pode fazer perguntas e que vai ser atendida de maneira clara.

Vamos nos deter aqui especificamente ao portador de síndrome de Down. Ainda não existe uma “fórmula” ideal para a educação sexual do adolescente Down. Sem rodeios, trata-se de um terreno arenoso e cheio de controvérsias, e mesmo eu enquanto médica e no papel de educadora, posso sentir a angústia dos pais quanto às sofridas dúvidas: Meu filho terá independência o suficiente para suportar um relacionamento estável ? Eu devo privá-lo de relacionamento afetivo por isso?

Então, falando especificamente no portador de SD, o segundo passo, o da abertura do diálogo, deve ser dado no momento que o (a) adolescente formular questionamentos, revelar sinais de interesse sexual ou se ele (a) estiver sofrendo algum tipo de assédio. Parece ser consenso que os pais não devem se adiantar a esses sinais, evitando estimular o adolescente Down a iniciar as relações sexuais, e sim orientando-os parcimoniosamente, pois a repressão do sentimento tende a produzir comportamentos sexuais inadequados – como masturbação excessiva – e agressividade.

Junto com a abertura do diálogo, precisamos:

1. Da construção da identidade sexual homem X mulher e o reforço da necessidade de algum tipo defesa ou repulsa perante pessoas estranhas com atitudes suspeitas. Isso visa evitar os temíveis abusos sexuais – homo ou heterossexuais – direcionados às pessoas com SD.

2. De um ambiente com menos estímulos sexuais – isso vai depender a princípio da postura da família;

3. Rever as atividades recreativas e como o adolescente está usando seu tempo livre: está muito tempo na TV?

Adolescentes com síndrome de Down que vivem num ambiente sem tantos estímulos parecem tender a construir relações de amizade e a não se interessarem tanto por relacionamentos sexuais propriamente ditos. O comportamento sexual habitual do Down é o de passividade. O interesse pelo sexo oposto é pueril na grande maioria dos adolescentes, o que justifica a educação sexual global direcionada a grupos em particular, quando há realmente uma justificativa – tais quais as citadas anteriormente.

Os estudos levam a crer que os meninos adolescentes são habitualmente inférteis, havendo uma série de fatores associados, como oligoespermia ou azoospermia (redução ou ausência de espermatozóides), muitos relatos de hipogonadismo (genitália menor) e alterações dos hormonais diversas. Já as adolescentes habitualmente possuem maturação e funcionamento sexual sem grandes alterações, havendo relato de freqüência aumentada de ciclos anovulatórios. Teoricamente, uma mulher portadora de Síndrome de Down tem 50% de chance de gerar um bebê Down. Considerando que muitos fetos Down sofrem abortamento, espera-se que mais de 50% dos nascidos vivos não sejam portadores de Síndrome de Down.

A base da educação sexual do adolescente Down, portanto, é a formação da identidade homem-mulher, a imposição dos limites como o trabalho em cima da eventual masturbação excessiva gerada na maioria das vezes pelo ócio e a prevenção do abuso sexual. A prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e os métodos contraceptivos são um segundo plano, destinado àqueles que desenvolvem vida sexual ativa.

Por não haver um consenso nem bibliografia disponível, cada profissional impõe seus valores; deixo assim minha postura para discussão, pois não reflete necessariamente a postura dos outros profissionais nem pretende ser uma rotina.

*Meire Gomes é Pediatra Geral formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria.

Fonte: Rede SACI